“Tudo tem seu tempo e
ocasião”, diz o Eclesiastes. “Para cada coisa”, dirá outra tradução, “há um
tempo debaixo do sol.” O autor continua, a repetir as palavras, sem a menor
pressa, criando, em sua narrativa,um ritmo que, por si só, expressa o que ele
quer dizer: tudo tem seu tempo, tudo tem seu ritmo.
“Tempo de nascer, tempo
de morrer;
tempo de plantar, tempo
de colher;
tempo de derrubar, tempo
de construir;
tempo de chorar, tempo
de rir;
tempo de fazer luto,
tempo de bailar;
tempo de abraçar, tempo
de separar-se;
tempo de procurar,
tempo de perder;
tempo de calar, tempo
de falar;
tempo de amar, tempo de
odiar;
tempo de guerra, tempo
de paz”.
Como não rezar com esta
passagem a cada final de ano? Como vivi os tempos que o Senhor providenciou?
Como acertei o meu passo ao sábio compasso que marca o ritmo da vida, de tudo o
que existe debaixo do sol, inclusive eu? Quem nasceu? Quem morreu? Em que nasci?
Em que morri? O que plantei? O que colhi? O que derrubei? O que construí? Como
chorei? Como ri? Como vivi o luto e a dança? A quem acolhi? De quem parti? A
quem deixei partir?
Como falei? Como calei?
O que calei? Para que calei? O que falei? Como falei? Para que falei?
Odiei? Fiz guerra?
Perdi, então, todo o meu ritmo, todo o meu tempo. Gastei inutilmente os tempos
que o Senhor providenciou. Atravessei o compasso que marca o ritmo da vida,
inclusive da minha. Matei e morri. Plantei, mas não colhi. Destruí. Se ri, foi
pantomima. Se chorei, foi de desgosto. Se dancei, foi grotesco. Se acolhi, só
foi a mim mesma. A tudo e todos enxotei. Minhas palavras destruíram, meu
silêncio foi omissão, falsa proteção a mim mesma. Odiei.
Amei? Então construí e
promovi a paz, encontrei, então, o sábio ritmo da vida, o tempo interior só
conhecido de quem ama. Aproveitei bem os tempos que me deu a Providência.
Dancei, feliz e equilibrada, conduzida por meu divino par, ora valsas, ora
noturnos, ora barcarolas, ora polcas e mazurcas, ao compasso que marca o ritmo
da vida, de toda vida, da minha vida, da sua vida. Dancei, com toda a criação,
com Deus e os irmãos. Deixei-me conduzir pelo hábil Cavalheiro. Nasci e dei à
luz. Plantei e colhi. Derrubei feiúra, colhi beleza, bem, verdade. Ri, feliz ao
acolher, nas dobras da renúncia do amor, meu irmão, a vida, as circunstâncias.
Rodopiei, confiante e tranqüila, a guardar segredos de amor em meu coração.
Amei.
Ora amei, ora odiei?
Natural. Sou pecadora. Sou imperfeita. Sou humana. Simplesmente vivi. Colhi os
frutos do meu ódio e do meu amor.
Uma coisa sei que, com
a mais absoluta certeza, tive, eu, assim como você: o amor do Pai em toda
circunstância. A salvação do Filho todos os dias do nosso ano. A ação
santificadora do Espírito, disponível em toda ocasião. Criador e criatura
dançamos juntos, tal pai e filha na festa dos quinze anos, tal casal de noivos
nas bodas, envolvidos, sempre, por muitos outros pares, milhares, milhões,
bilhões de outros pares.
Chegamos ao fim de mais
um ano em nossa bela sonata da vida. É preciso dar o comando de replay e
assisti-la outra vez, serenamente, ouvindo detalhes perdidos na correria, na
emoção dos acontecimentos: stacatos sutis, ligaduras ressonantes, fermatas
desconcertantes.
Começa uma nova página.
Quantos compassos teremos? Que temas se repetirão? Que novos tons serão
adotados? Que novas frases musicais serão relidas, recriadas? Que outros
instrumentos entrarão? Que interpretação escolheremos dar? Que passos
criaremos? Como faremos a leitura, compasso a compasso?
Deus sabe! E é nisso
que reside nossa tranquilidade, nossa confiança. Não conhecemos o que virá, mas
pelos temas, frases, harmonias e compassos, pelo ritmo e pelo tom já tocados,
sabemos que, tocada a quatro mãos, nossa composição será bela. O ritmo, por
vezes sincopado, combinará com soluços. O compasso em sua batida convencional,
evocará a rotina, que também revela beleza. As notas que voam, oração. As que
ficam na memória, contemplação. As que marcam a base, convicção. As que desenham
a melodia, inventividade.
Deus sabe! Deus sabe!
Deus sabe! Que a proposta de uma vida alucinada não nos seduza. Que o ritmo da
evangelização, do amor, este, sim, seja alucinado, sem medida: Jesus tem sede,
tem pressa. O ritmo interior, porém, este seja aquele secreto, confiante,
sábio, paciente ritmo interior de Maria: “Deus sabe! Deus sabe! Deus sabe! Tudo
passa! Deus fica! Deus sabe! Para tudo há um tempo debaixo do sol. Não temo!
Deus sabe! Deus sabe! Deus sabe!”
Neste ano, conceda-nos
Deus dançarmos tranquilos, ao ritmo interior do mistério da vida.
Comunidade Shalom
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