5º Domingo do Tempo Comum

Depois de manifestar seu programa – anunciar o ano do verdadeiro jubileu – e ser, então, rejeitado pelos seus conterrâneos, Jesus segue o seu caminho. Agora ensina da barca de Simão e o chama para ser pescador de gente.

Pescar gente não é simplesmente trazer as pessoas para o seu barco, o seu grupo, a sua instituição; é tirar as pessoas do poder da morte. As águas volumosas como o lago, o mar, eram relacionadas ao poder da morte e das forças do mal. O capítulo 21 do livro do Apocalipse, ao falar dos novos céus e nova terra, onde já não existe nem morte, nem luto, nem dor, diz: “o mar já não existe”.

Na 1ª leitura, Isaías nos conta como se sentiu chamado para ser profeta, um mensageiro de Deus. Homem do templo e homem de oração, foi certamente no templo que ele sentiu o apelo de Deus.

Se isso sucedeu, como muitos pensam, no dia da expiação, no momento em que o sumo sacerdote, levando sangue de carneiros e bodes, afastou a cortina para entrar no santuário, certamente Isaías viu a arca da aliança e os querubins que a ladeavam. Com a mente sempre voltada para Deus, foi então que seus pensamentos o conduziram a essa experiência mística.

Javé sentado entre os querubins, lá no alto, nas alturas, sublime. Bastava a orla do seu manto para encher todo o templo, como a nuvem de fumaça, outro sinal da presença de Deus, também enchia o templo. O cântico dos serafins diz que a terra toda – não só o templo – está cheia da glória de Deus. O santuário, o templo e a terra inteira estão repletos da sua glória. Javé é o Deus santo, presente em toda parte, ocupando todos os espaços.

Ver Deus e sua glória é correr grande risco, pois quem vê Deus não pode continuar vivo, como afirmam vários textos do Primeiro Testamento. Isaías acrescenta mais uma razão: tem lábios impuros e vive no meio de gente de lábios impuros. Mas um serafim, anjo do fogo, vem purificar-lhe os lábios com uma brasa tirada do altar, de onde a fumaça dos sacrifícios sobe até Deus.

Vem, em seguida, a vocação. Javé não diz que o escolheu e quer enviá-lo, apenas pergunta a quem há de enviar, quem irá por ele; Isaías, por seu turno, não manifesta qualquer resistência, acode prontamente: “Aqui estou! Envia-me!”.

Na 2ª leitura, para responder a questões que preocupavam as comunidades de Corinto, Paulo explica por que saiu pregando que um crucificado é o Messias, a esperança da humanidade.

Em Corinto, um grupo de intimistas espiritualistas mais exaltados negava a ressurreição ou não dava importância a ela. Não se sabe se era por influência da filosofia grega – especialmente do platonismo, que não valorizava o corpo, considerando-o prisão da alma – ou se porque, em sua alta espiritualidade, já se achavam ressuscitados e em plena comunhão com Deus. Para uns, bastava a imortalidade da alma, o corpo era desprezível; para outros, a morte nada de novo iria trazer, pois já estavam plenamente realizados, em plena comunhão com Deus.

Seja como for, Paulo lembra a mensagem básica do cristianismo: o Messias Jesus morreu por causa dos nossos pecados, foi sepultado e ressuscitado segundo as Escrituras. Fala de fatos: morte, sepultura, ressurreição. O objetivo foi livrar a humanidade do pecado, e tudo aconteceu em conformidade com as Escrituras.

A sepultura, sem dúvida, confirma a realidade da morte, e a ressurreição significa a intervenção de Deus, que aprova e confirma Jesus como Messias e Senhor. Paulo não fala da ressurreição como um espetáculo nem como o simples devolver a vida a um cadáver. Fala da ressurreição, uma vida nova, como objeto fundamental da pregação e da fé cristã.

As aparições do Ressuscitado que Paulo enumera não são as mesmas que se encontram nos evangelhos, mas, como aquelas, servem para comprovar o fato de que, depois da morte real e verdadeira, Jesus passou a outra esfera de existência. A aparição ao próprio Paulo – terá sido por ocasião de sua conversão ou em outro momento de sua vida? – alinha-se com as outras, embora o apóstolo se considere um feto abortivo.

E é o testemunho de sua dedicação ao trabalho em favor do evangelho que vem atestar o valor de suas experiências do Ressuscitado. Seu encontro pessoal com Jesus ressuscitado trouxe-lhe a força, a graça de Deus, que o fez trabalhar muito mais do que os outros.

No Evangelho, Jesus começa a chamar os apóstolos. Os primeiros são pescadores. Como se trata de pescadores, Jesus os chama em meio a uma pesca.

Nos Evangelhos de Marcos e de Mateus, Jesus, passando pela beira do lago, chama os pescadores Simão e seu irmão André e também os irmãos Tiago e João, convidando-os a se tornar pescadores de gente. Esses vão começar a formar a comunidade de irmãos, a comunidade dos discípulos de Jesus.

Lucas faz diferente. Toma a tradição, também presente em Jo 21, de uma pesca miraculosa e aí mostra Jesus chamando Pedro para ser pescador de gente. Lucas constrói bem a sua história, sem deixar de lado os simbolismos. Porque a multidão o aperta de todos os lados, Jesus sobe à barca de Simão e daí instrui o povo.

Da barca de Simão Pedro, Jesus instrui as multidões. É da barca de Pedro, a Igreja, as comunidades cristãs, que a mensagem de Jesus deve chegar à humanidade toda. Poderíamos nos perguntar: para quê? Após terminar seu ensino, Jesus manda que Simão leve o barco para águas mais profundas.

Na concepção da época, as águas profundas comunicavam-se com a mansão dos mortos, debaixo da terra. Os monstros que habitariam as grandes águas e o perigo dos ventos e das tempestades reforçavam a ideia de o mar ser o mundo da morte e do mal. Pescar significava, então, tirar do poder da morte.

Aos que estavam com Pedro Jesus manda: “Lançai vossas redes para a pesca!”. Todos devem pescar. Todos devem contribuir para salvar a humanidade. Simão deixa de lado sua experiência de pescador e confia na palavra de Jesus. O resultado é a pesca farta. Não é preciso mostrar o significado de tudo isso.

Muito próprio de Lucas é o destaque dado a Pedro. É sua a barca de onde Jesus ensina, é a ele que Jesus manda levar o barco ao mais profundo, é ele quem confia na palavra de Jesus, é ele quem se prostra diante de Jesus, reconhecendo-se pecador (como Isaías na 1ª leitura), é a ele que Jesus faz pescador de gente. De André, seu irmão, nenhuma palavra. Só há pequena alusão aos outros dois irmãos, Tiago e João.

O resultado é que todos deixam os barcos – por hipótese, cheios de peixe (poderiam fazer bons negócios) – e tudo o mais para seguir Jesus. Todos serão pescadores, todos terão a missão de tirar a humanidade do reino da morte. Para isso deixam tudo, não só os peixes, que eram a sua vida até então.


Paulus

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