Depois de manifestar
seu programa – anunciar o ano do verdadeiro jubileu – e ser, então, rejeitado
pelos seus conterrâneos, Jesus segue o seu caminho. Agora ensina da barca de
Simão e o chama para ser pescador de gente.
Pescar gente não é
simplesmente trazer as pessoas para o seu barco, o seu grupo, a sua
instituição; é tirar as pessoas do poder da morte. As águas volumosas como o
lago, o mar, eram relacionadas ao poder da morte e das forças do mal. O
capítulo 21 do livro do Apocalipse, ao falar dos novos céus e nova terra, onde
já não existe nem morte, nem luto, nem dor, diz: “o mar já não existe”.
Na 1ª leitura, Isaías
nos conta como se sentiu chamado para ser profeta, um mensageiro de Deus. Homem
do templo e homem de oração, foi certamente no templo que ele sentiu o apelo de
Deus.
Se isso sucedeu, como
muitos pensam, no dia da expiação, no momento em que o sumo sacerdote, levando
sangue de carneiros e bodes, afastou a cortina para entrar no santuário,
certamente Isaías viu a arca da aliança e os querubins que a ladeavam. Com a
mente sempre voltada para Deus, foi então que seus pensamentos o conduziram a
essa experiência mística.
Javé sentado entre os
querubins, lá no alto, nas alturas, sublime. Bastava a orla do seu manto para
encher todo o templo, como a nuvem de fumaça, outro sinal da presença de Deus,
também enchia o templo. O cântico dos serafins diz que a terra toda – não só o
templo – está cheia da glória de Deus. O santuário, o templo e a terra inteira
estão repletos da sua glória. Javé é o Deus santo, presente em toda parte,
ocupando todos os espaços.
Ver Deus e sua glória é
correr grande risco, pois quem vê Deus não pode continuar vivo, como afirmam
vários textos do Primeiro Testamento. Isaías acrescenta mais uma razão: tem
lábios impuros e vive no meio de gente de lábios impuros. Mas um serafim, anjo
do fogo, vem purificar-lhe os lábios com uma brasa tirada do altar, de onde a
fumaça dos sacrifícios sobe até Deus.
Vem, em seguida, a
vocação. Javé não diz que o escolheu e quer enviá-lo, apenas pergunta a quem há
de enviar, quem irá por ele; Isaías, por seu turno, não manifesta qualquer
resistência, acode prontamente: “Aqui estou! Envia-me!”.
Na 2ª leitura, para
responder a questões que preocupavam as comunidades de Corinto, Paulo explica
por que saiu pregando que um crucificado é o Messias, a esperança da
humanidade.
Em Corinto, um grupo de
intimistas espiritualistas mais exaltados negava a ressurreição ou não dava
importância a ela. Não se sabe se era por influência da filosofia grega –
especialmente do platonismo, que não valorizava o corpo, considerando-o prisão
da alma – ou se porque, em sua alta espiritualidade, já se achavam
ressuscitados e em plena comunhão com Deus. Para uns, bastava a imortalidade da
alma, o corpo era desprezível; para outros, a morte nada de novo iria trazer,
pois já estavam plenamente realizados, em plena comunhão com Deus.
Seja como for, Paulo
lembra a mensagem básica do cristianismo: o Messias Jesus morreu por causa dos
nossos pecados, foi sepultado e ressuscitado segundo as Escrituras. Fala de
fatos: morte, sepultura, ressurreição. O objetivo foi livrar a humanidade do pecado,
e tudo aconteceu em conformidade com as Escrituras.
A sepultura, sem
dúvida, confirma a realidade da morte, e a ressurreição significa a intervenção
de Deus, que aprova e confirma Jesus como Messias e Senhor. Paulo não fala da
ressurreição como um espetáculo nem como o simples devolver a vida a um
cadáver. Fala da ressurreição, uma vida nova, como objeto fundamental da
pregação e da fé cristã.
As aparições do
Ressuscitado que Paulo enumera não são as mesmas que se encontram nos
evangelhos, mas, como aquelas, servem para comprovar o fato de que, depois da
morte real e verdadeira, Jesus passou a outra esfera de existência. A aparição
ao próprio Paulo – terá sido por ocasião de sua conversão ou em outro momento
de sua vida? – alinha-se com as outras, embora o apóstolo se considere um feto
abortivo.
E é o testemunho de sua
dedicação ao trabalho em favor do evangelho que vem atestar o valor de suas
experiências do Ressuscitado. Seu encontro pessoal com Jesus ressuscitado
trouxe-lhe a força, a graça de Deus, que o fez trabalhar muito mais do que os
outros.
No Evangelho, Jesus
começa a chamar os apóstolos. Os primeiros são pescadores. Como se trata de
pescadores, Jesus os chama em meio a uma pesca.
Nos Evangelhos de
Marcos e de Mateus, Jesus, passando pela beira do lago, chama os pescadores
Simão e seu irmão André e também os irmãos Tiago e João, convidando-os a se
tornar pescadores de gente. Esses vão começar a formar a comunidade de irmãos,
a comunidade dos discípulos de Jesus.
Lucas faz diferente. Toma
a tradição, também presente em Jo 21, de uma pesca miraculosa e aí mostra Jesus
chamando Pedro para ser pescador de gente. Lucas constrói bem a sua história,
sem deixar de lado os simbolismos. Porque a multidão o aperta de todos os
lados, Jesus sobe à barca de Simão e daí instrui o povo.
Da barca de Simão
Pedro, Jesus instrui as multidões. É da barca de Pedro, a Igreja, as
comunidades cristãs, que a mensagem de Jesus deve chegar à humanidade toda.
Poderíamos nos perguntar: para quê? Após terminar seu ensino, Jesus manda que
Simão leve o barco para águas mais profundas.
Na concepção da época,
as águas profundas comunicavam-se com a mansão dos mortos, debaixo da terra. Os
monstros que habitariam as grandes águas e o perigo dos ventos e das
tempestades reforçavam a ideia de o mar ser o mundo da morte e do mal. Pescar
significava, então, tirar do poder da morte.
Aos que estavam com
Pedro Jesus manda: “Lançai vossas redes para a pesca!”. Todos devem pescar.
Todos devem contribuir para salvar a humanidade. Simão deixa de lado sua
experiência de pescador e confia na palavra de Jesus. O resultado é a pesca
farta. Não é preciso mostrar o significado de tudo isso.
Muito próprio de Lucas
é o destaque dado a Pedro. É sua a barca de onde Jesus ensina, é a ele que
Jesus manda levar o barco ao mais profundo, é ele quem confia na palavra de
Jesus, é ele quem se prostra diante de Jesus, reconhecendo-se pecador (como
Isaías na 1ª leitura), é a ele que Jesus faz pescador de gente. De André, seu
irmão, nenhuma palavra. Só há pequena alusão aos outros dois irmãos, Tiago e
João.
O resultado é que todos
deixam os barcos – por hipótese, cheios de peixe (poderiam fazer bons negócios)
– e tudo o mais para seguir Jesus. Todos serão pescadores, todos terão a missão
de tirar a humanidade do reino da morte. Para isso deixam tudo, não só os
peixes, que eram a sua vida até então.
Paulus
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