O tempo do Natal, tempo de manifestação de Jesus como Salvador para os pobres e para todas as nações, encerra com a festa do batismo e Jesus no rio Jordão. Jesus entra na fila dos pecadores que se deixam batizar por João Batista em sinal de conversão, preparando-se para a chegada do Reino iminente. Ele solidariza-se com a humanidade pecadora, perdida, afastada do caminho do Pai, longe do projeto inicial da criação. A voz do Pai o apresenta como o filho amado, como o Messias esperado, o Ungido, o encarregado de sua confiança para restaurar todas as coisas de acordo com o projeto de Deus. O Espírito vindo do céu pousa sobre ele, para que possa alegrar os pobres com boas notícias. O profeta Isaías aponta para um programa bastante audacioso: deverá levar o direito às nações; com firmeza, implantará a justiça, sem ceder às corrupções.
E nós, que fomos feitos uma só coisa com Jesus, pelo batismo na água e no Espírito, fazemos memória desta sua investidura como Messias. Participando, comungando o Cristo dinamicamente presente na comunidade reunida, na Palavra proclamada e no Pão e no Vinho servidos entre irmãos e irmãs, somos mergulhados misticamente no Jordão para sermos confirmados/as em nossa missão messiânica. Teremos hoje a coragem de entrar junto com Jesus na fila dos pecadores, reconhecendo nossa parte de responsabilidade na situação em que se encontra o mundo? Teremos hoje a coragem de perceber o céu se abrindo sobre nós e o Espírito descendo e pousando, como no dia de nosso batismo e confirmação, pronto para realizar em nós seu trabalho de transformação interior? Abriremos hoje o ouvido do coração para acolher a voz do Pai que ressoa sobre as águas e declara nossa mais profunda e intima identidade e missão: Tu és minha filha, tu és meu filho muito amado...? Fortalecidos/as e amparados/as pelo terno amor do Pai, assumiremos hoje com mais garra e alegria, com firmeza e convicção a tarefa ingente, difícil, complicada... de ‘restaurar’ o povo, de ser luz em meio a tantas dificuldades em todas as áreas da convivência humana? De abrir os olhos de tanta gente cega diante da destruição do planeta, diante do sistema econômico concentrador de renda, aumentando assustadoramente a desigualdade social, diante do descaso frente a milhões de pessoas perecendo na miséria, nas guerras, diante de tanta gente presa nas garras do sistema econômico, social, cultural?
Não é preciso gritar, levantar a voz feito marketing e propaganda, tantas vezes enganosa; palavras e gestos silenciosas, mas verdadeiros, costumam ser mais eficientes. Não podemos quebrar a cana rachada por causa de tanta desgraça e revés, o profundo respeito e a compaixão costumam ser remédio milagroso para muita dor, até mesmo para nossa própria. Devemos ter cuidado de não apagar a mecha que ainda fumega, é possível reavivar as centelhas de esperança e de vitalidade escondidas no coração de cada pessoa, inclusive dentro de nós mesmos/as. Quando o desânimo ameaça nos abater, por causa das injustiças sofridas, por causa do pouco resultado alcançado com nossos esforços, por causa das traições e exclusões de toda ordem... sentiremos hoje o Senhor nos tomando pela mão, confirmando sua presença, derramando por todo o nosso ser o óleo da alegria para continuarmos ‘fazendo o bem’, como fez Jesus?
Retirado do Livro Liturgia em Mutirão – Ed. CNBB
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