“Criança é criança. E meninas de oito anos têm
de brincar de boneca. Esse não é um tempo de incentivar o ‘namorinho’ na
escola, o uso de salto nos pés ou de maquiagem”. Essas são as palavras de uma
endocrinologista que também é mãe. Com uma verdadeira preocupação materna, ela
nos revela um quadro cada vez mais alarmante: cresce o número de crianças,
sobretudo meninas, com sinais claros de puberdade precoce.
Talvez seu filho esteja
passando por esse problema e você desconheça as possíveis causas. Para
esclarecer as dúvidas sobre puberdade precoce e orientar os pais a lidar com
ela, a equipe do cancaonova.com entrevistou a doutora Priscila Aquino.
cancaonova.com: O que é
a puberdade precoce?
Dra. Priscila Aquino: A
definição de puberdade precoce é o aparecimento de caracteres secundários nas
meninas antes dos oito anos de idade, e nos meninos antes dos nove anos. O que
vêm a ser esses caracteres secundários? Tanto nos meninos quanto nas meninas, o
primeiro sinal que os pais normalmente percebem nas crianças é um odor nas
axilas – próprio nos adultos e não nas crianças –, conhecido vulgarmente como
“cecê”. Em seguida, na menina começa a aparecer a mama, o broto mamário; no
menino, o pêlo pubiano. Na menina, às vezes, isso se inverte e pode ser que o
primeiro sintoma seja o aparecimento do pêlo pubiano. De qualquer maneira,
tanto na menina menor de oito anos quanto no menino menor de nove anos, se isso
já estiver acontecendo é um sinal físico de puberdade precoce e tem de ser
feita uma pesquisa diagnóstica.
cancaonova.com: Ela
pode ser considerada uma doença? Como se dá o tratamento?
Dra. Priscila Aquino:
Sim e não. Por quê? A maior consequência da puberdade precoce é, primeiro,
procurarmos saber a causa dela. Ela pode ocorrer por uma causa fisiológica
daquela criança ou pode ser uma doença. A princípio, os pais devem procurar o
pediatra, que irá encaminhar a criança para um endocrinologista. Este fará uns
exames iniciais. O primeiro exame é um raio-X da idade óssea da criança. Quando
avaliamos o crescimento dela, existem “duas idades” a ser consideradas: a idade
cronológica, baseada na data de nascimento, e a idade óssea.
O que é essa idade
óssea? Quando a criança nasce, faltam-lhe todos os ossos do carpo e do
metacarpo, que são os ossos da palma da mão. Conforme vai havendo a ação dos
hormônios de crescimento e dos hormônios sexuais, esses ossos vão crescendo e
vão se agrupando, ocupando espaços, até ficarem separados apenas por uma
pequena cartilagem. Essa idade óssea avança quando temos um caso de puberdade
precoce. Por exemplo: eu tenho uma criança de seis anos com idade óssea de
oito. A partir disso, investigamos se essa puberdade precoce é central ou
periférica, ou seja, se ela vem do cérebro, da glândula hipófise (central), ou
se ela vem dos ovários – no caso das meninas – ou dos testículos – no caso dos
meninos –, ou ainda da glândula suprarrenal, que existe tanto nos homens quanto
nas mulheres (periférica).
Neurologicamente, é
preciso ser descartado o tumor. Graças a Deus, isso é muito raro. Mas, durante
a investigação, é necessário fazer uma tomografia do crânio. Depois, a dosagem
de diversos hormônios. A partir disso, temos um diagnóstico. Se houver uma
doença de causa patológica, a criança precisará ser tratada, e o tratamento
depende da causa.
O maior problema em não
tratar é que a criança faz essa maturação óssea precoce e para de crescer. Você
“pega” uma criança de cinco anos com uma idade óssea de oito anos; então, ela
menstrua com dez anos e para de crescer com 1,45 m. Essa altura, para uma
criança com oito anos, é “gigante”. No entanto, para um adulto é considerada
pequena. O principal fator que evitamos com esse tratamento é a baixa estatura.
cancaonova.com: A quais
sinais os pais devem estar atentos para perceber a puberdade precoce em seus
filhos?
Dra. Priscila Aquino: O
primeiro sinal é o crescimento. Mesmo antes de aparecer o pêlo pubiano ou a
mama na menina, ou aparecer o odor nas axilas, se a mãe está sempre em consulta
com o pediatra, este consegue acompanhar a velocidade de crescimento da
criança. Infelizmente, muitos pais só levam os filhos ao pediatra nos primeiros
anos de vida. Depois, só procuram o médico no caso de uma enfermidade ou
urgência. Com isso, o pediatra perde esse acompanhamento da velocidade de
crescimento [da referida criança]. Quero alertar aos pais de que é importante
levar seu filho a cada seis meses ao pediatra, porque, se ele tem o gráfico de crescimento
dela e se essa criança começa a aparentar ter um caso de puberdade precoce, o
gráfico de crescimento dá um “salto” e o pediatra percebe isso. Por exemplo,
uma criança que cresce doze centímetros no intervalo de um ano, sendo que ela
vinha dentro de um padrão de crescimento [no gráfico], pode vir a ser um alerta
de puberdade precoce.
Outro alerta é que uma
menina de oito anos ou menino de nove não devem ter sinais de puberdade ainda,
nem comportamento físico ou psicológico – como mudança de humor, irritabilidade
e um pouco mais de agressividade, que são sinais de puberdade precoce também.
cancaonova.com: Como os
médicos devem orientar seus filhos, quando percebem que estes estão
amadurecendo mais rapidamente do que as outras crianças da mesma idade?
Dra. Priscila Aquino: A
puberdade precoce nem sempre é uma doença, nem sempre precisa de tratamento
médico. Às vezes, aparece em meu consultório uma menina de oito anos com o
surgimento de mama e com odor nas axilas. Ao fazer todos os exames, os resultados
são considerados normais. Essa criança já tem um avanço da idade óssea, tem um
avanço na velocidade de crescimento, mas não há nada para tratar. Então, ao
questionar os pais, observamos que a criança é muito precoce no comportamento,
porque tem um estímulo visual, ou seja, assiste a canais de TV com muitas cenas
de sexo, muita valorização da imagem do corpo e da moda. Com isso, acabamos
vendo “minimulheres” com oito anos de idade, ou seja, ela já quer usar sandália
com salto, andar maquiada, pintar as unhas, assistir a novelas e programas
próprios para adultos. Isso causa um amadurecimento precoce da hipófise, sem,
no entanto, haver doença nenhuma.
Criança é criança, e
meninas de oito anos têm de brincar de boneca. Esse não é um tempo de
incentivar o “namorinho” na escola, o uso de salto nos pés ou de maquiagem. É
preciso saber o que usar naquele momento. Se a menina quer usar batom, compre
um brilho labial infantil. Dei esse exemplo para afirmar que é possível você
despertar a feminilidade em sua filha sem despertar a puberdade precoce. O que
não dá é uma criança dessa idade passar um batom vermelho ou um esmalte escuro
nas unhas! Passe uma base nas unhas da criança. Vemos, muitas vezes, um apelo
absurdo em vesti-las com roupas de adultos no tamanho delas. Por que isso
acontece com tanta velocidade atualmente? Por causa do meio que ela vive e
desencadeia a puberdade precoce. Tanto isso é verdade, que a incidência desse
problema nas meninas era igual aos meninos há alguns anos. Hoje, com esse apelo
de moda e sexo na TV, a puberdade precoce tem mais incidência sobre as meninas
do que sobre os meninos. Por quê? Porque os meninos são mais “desencanados”, gostam
mais de futebol e brincadeiras.
cancaonova.com: Além
dessas causas que você citou, o que mais favorece o surgimento da puberdade
precoce?
Dra. Priscila Aquino:
Aí entra um terceiro fator: temos que pensar na alimentação dessa criança.
Existe uma grande discussão se há hormônio nos alimentos como leite, aves e
ovos de granja e mesmo na carne bovina de frigorífico. Não existe ainda um
trabalho com comprovação científica que mostre uma quantidade “X” desse
elemento [hormônios], o qual possa desencadear a puberdade. Não existe. Agora,
um fato real é a questão do peso. O que está acontecendo com nossas crianças? A
incidência de sobrepeso e de obesidade infantil tem crescido dia a dia. As
crianças estão mais sedentárias e comendo mais alimentos calóricos. Hoje, elas
comem menos frutas, verduras e legumes e muito alimento industrializado. Um
fator que desencadeia a puberdade é o peso, e não somente o estímulo hormonal e
visual. Uma das principais consequências da obesidade infantil é a puberdade
precoce.
cancaonova.com: Quais
alimentos podem contribuir para equilibrar o desenvolvimento das crianças de
acordo com a faixa etária?
Dra. Priscila Aquino:
Cada faixa etária tem uma demanda especial. Dividindo em três grupos, ainda na
primeira infância, antes da puberdade, o bebê de 0 a 2 anos tem uma velocidade
de crescimento muito grande. O bebê, em um ano, triplica o peso desde seu
nascimento. Se ele nasceu com 3 kg, em um ano ele já estará com 10 kg.
Portanto, a demanda daquele bebê é muito grande. Depois, de 4 a 8 anos, a
velocidade de crescimento cai e ela precisa de um valor calórico menor– não
nutritivo; estamos falando em calorias. Depois, quando entram na puberdade
entre os 10 e 12 anos, isso volta a acelerar. Portanto, não dá para dizer que
os cardápios teriam de ser iguais, porque a quantidade vai depender dessa fase
em que a criança se encontra. Mas, a grosso modo, quer seja uma criança de um,
cinco ou dez anos, esse cardápio tem de ser balanceado, ou seja, conter as
necessidades diárias de carboidratos, proteínas, fibras, vitaminas e sais
minerais – e até mesmo doces e gorduras! Por que não?
Uma regra que eu adotei
no dia a dia, como mãe, e que tento passar para meus pacientes é a seguinte:
durante a semana, precisamos ter uma alimentação saudável em nossa casa. O que
isso significa? Nossa sobremesa é uma gelatina, uma fruta, um docinho de fruta;
nas refeições, arroz, feijão, salada, carne e assim por diante. É a tal da
“dieta da avó”. No café da manhã, comem um pão. No lanche da escola, um suco,
uma bisnaguinha ou uma bolachinha. O jantar igual ao almoço, mas sem
estripulias. Durante a semana, não tem refrigerante nem vamos fazer brigadeiros
de chocolate. A batatinha-frita e o refrigerante são para o fim de semana. Não
se trata de proibir, é o uso do bom senso. Trata-se de equilibrar. Certo?
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