O título de “Medianeira
de todas as graças”, atribuído a Nossa Senhora, tem o seu significado ligado
principalmente à participação da Mãe de Deus no Mistério da Encarnação do Verbo
e no Mistério Pascal de Jesus Cristo. Mas esse título tem seu significado
ligado também à mediação materna da Mãe de Deus sobre toda a Igreja e cada um
dos fiéis em particular. Desde os primórdios do Cristianismo, o povo de Deus
recorria a Virgem Santíssima, e a Tradição da Igreja já reconhecia a sua
participação singular no Mistério de Cristo e na vida dos fiéis. Esse costume
de recorrer a Santíssima Virgem é atestado pela mais antiga oração mariana de
que se tem conhecimento, do século III, que em latim se chama Sub tuum
præsidium, e significa “À vossa proteção”.
As imagens de Nossa
Senhora, muitas delas retratadas até mesmo em cavernas e catacumbas, onde se
reuniam os primeiros cristãos para rezar, também nos ajudam a compreender que a
mediação da Mãe do Senhor faz parte do Cristianismo desde o princípio. Tendo em
vista a importância do significado do tema para a Igreja de todos os tempos,
trataremos brevemente sobre a Virgem Maria “Medianeira de todas as graças” a
partir da doutrina do Corpo Místico de Cristo, presente nas Sagradas
Escrituras; dos ensinamentos dos santos e dos doutores da Igreja; da doutrina
do Magistério da Igreja.
Os mediadores junto ao
único Mediador
Para falar da mediação
da Virgem Maria, vamos partir da Palavra de Deus, mais especificamente da Carta
de São Paulo a Timóteo, na qual está escrito: “Pois há um só Deus e um só
mediador entre Deus e a humanidade: o homem Cristo Jesus, que se entregou como
resgate por todos”1. Por essa passagem, não há dúvida de que o apóstolo Paulo
diz claramente que existe um só mediador entre Deus e os homens2. Mas, voltando
alguns versículos, também está escrito: “Antes de tudo, peço que se façam
súplicas, orações, intercessões r ação de graças por todas as pessoas, pelos
reis e pelas autoridades em geral, para que possamos levar uma vida calma e
tranquila, com toda a piedade e dignidade”3.
Nesses versículos, o
apóstolo dos gentios pede que se “façam súplicas, orações, intercessões e ação
de graças”4 pelas necessidades da comunidade e por toda a sociedade da época.
Mas se Cristo é o único Mediador entre Deus e os homens, por que Paulo pede a
Timóteo e a sua comunidade que intercedam por suas necessidades e as de outras
pessoas? O apóstolo faz isso, porque tem a clareza de que o único Mediador é a
Igreja, é o Cristo Total, que é formado pela Cabeça, que é Jesus, e por nós,
membros do Corpo Místico de Cristo5. Fazemos parte do Corpo de Cristo, por isso
participamos da mediação do único Mediador, que é Cristo. Dessa forma, a
“mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações
diversas, que participam dessa única fonte”6. No entanto, somos pessoas cheias
de fraquezas, inconstantes, pecadores, e Deus sabe que somos indignos e
incapazes, por isso teve piedade de nós e, para nos dar acesso às suas
misericórdias, concedeu-nos intercessores poderosos junto da Sua grandeza7.
A Medianeira como
caminho para chegar ao Mediador
Pela Sua infinita
caridade, Jesus Cristo tornou-se a nossa garantia e o nosso Mediador “junto de
Deus, Seu Pai, para aplacá-lo e pagar-lhe o que lhe devíamos. Mas será isso uma
razão para termos menos respeito e temor à sua majestade e santidade? Digamos,
pois, abertamente – com São Bernardo – que temos necessidade dum mediador junto
do mesmo Medianeiro, e que Maria Santíssima é a pessoa mais capaz de
desempenhar essa função caridosa. Foi por Ela que nos veio Jesus Cristo; é por
Ela que devemos ir a Ele. Se receamos ir diretamente a Jesus Cristo, nosso
Deus, por causa da sua grandeza infinita, ou da nossa miséria, ou ainda dos
nossos pecados, imploremos ousadamente o auxílio e a intercessão de Maria,
nossa mãe”8.
À vista disso,
compreendemos que a grandeza de Deus e a miséria humana são motivos suficientes
para recorrer a Medianeira de todas as graças. Para chegar até Deus, segundo
São Bernardo e São Boaventura, temos que subir três degraus: “o primeiro, que
está mais perto de nós e mais conforme à nossa capacidade, é Maria; o segundo é
Jesus Cristo, e o terceiro é Deus Pai. Para ir a Jesus é preciso ir a Maria:
Ela é a nossa Medianeira de Intercessão. Para ir ao Eterno Pai é preciso ir a
Jesus: nosso Medianeiro de Redenção”9. No que diz respeito a Virgem Maria,
devemos esclarecer que ela não é somente medianeira de intercessão no sentido
mais comum da palavra, que é de interceder por nós, mas também no sentido de
intervir concretamente em nossas vidas.
A Medianeira e a sua
maternidade espiritual
A doutrina a respeito
da maternidade espiritual da Virgem Maria sobre os fiéis atravessou os séculos
e se faz presente na Igreja até os nossos dias, inclusive nos principais
documentos do magisteriais do Concílio Vaticano II, como a Constituição
Dogmática Lumen Gentium e o Catecismo da Igreja Católica. Mas, novamente vamos
partir da Palavra de Deus que, a respeito do Corpo Místico de Cristo, diz: “Um
homem e um homem nasceu d’Ela”10. Neste versículo do Salmo 86, “segundo a explicação
de alguns Santos Padres, o primeiro homem que nasceu de Maria foi o Homem-Deus,
Jesus Cristo; o segundo é um homem impuro, filho de Deus e de Maria por
adoção”11. Se Jesus Cristo, cabeça do Corpo Místico da Igreja, nasceu da Virgem
de Nazaré, todos os predestinados, membros dessa Cabeça, também devem nascer
dela, por uma consequência necessária.
Visto que, a mesma mãe
não pode dar à luz a cabeça sem os membros, nem os membros sem a cabeça. Isso
seria uma monstruosidade na ordem da natureza. Do mesma forma, na ordem da
graça, a cabeça e os membros nascem também de uma só Mãe: a Virgem Maria.
Se um membro do Corpo
Místico de Cristo nascesse de outra mãe que não fosse a Mãe de Deus, que gerou
a Cabeça, não seria um predestinado nem um membro de Jesus Cristo, mas sim um
monstro na ordem da graça 12. Por disposição divina, a Santíssima Virgem,
“concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo,
padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a
sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas
almas a vida sobrenatural. É, por essa razão, nossa mãe na ordem da graça”13.
Essa maternidade espiritual de “Maria, na economia da graça perdura sem
interrupção, desde o consentimento que fielmente deu na anunciação 14 e que
manteve inabalável junto à cruz 15, até à consumação eterna de todos os
eleitos”16. Isso significa que a mediação materna da Mãe da Igreja é universal
e particular, que ela é “Medianeira de todas as graças”
O significado do título
de Maria “Medianeira de todas as graças”
Portanto, a Palavra de
Deus, a Tradição da Igreja sempre consideraram a mediação humana junto a Jesus
Cristo, o único Mediador, pois a Santíssima Trindade não quis salvar a
humanidade sem a cooperação dos homens. Na História da Salvação, desde a Antiga
Aliança, muitas foram as mediações humanas como Abraão, Moisés, os reis, os
profetas, as santas mulheres, os apóstolos e discípulos de Jesus Cristo. Mas,
na plenitude dos tempos, Deus suscitou a mediação singular da Virgem Maria para
o desígnio da Salvação da humanidade.
Nossa Senhora esteve
presente em toda a vida terrena de Seu Filho Jesus Cristo, desde o Mistério da
Encarnação do Verbo, passando pela Sua vida oculta em Nazaré e a sua vida
pública, até a consumação do Mistério Pascal. Como que para simbolizar a sua
mediação, depois da Ascensão do Senhor aos Céus, a Santíssima Virgem permaneceu
com os apóstolos e discípulos. Essa mediação de Maria, que permanece pelos
séculos até a consumação eterna de todos os eleitos, não exclui a mediação de
Cristo, mas antes é um caminho mais fácil para chegar até o Filho, nosso único
Mediador junto ao Pai. No entanto, essa mediação da Mãe da Igreja se diferencia
radicalmente das outras mediações humanas por seu caráter materno.
A Virgem de Nazaré não
somente gerou o Filho de Deus, mas também o alimentou, educou e acompanhou
durante toda sua vida, até o momento supremo de sua existência terrena, a sua
doação total no sacrifício da Cruz. Isso significa que a Virgem Maria é
medianeira universal, pois ao entregar-se inteiramente ao seu Filho Jesus, ela
cooperou na obra da salvação de toda a humanidade. Ao mesmo tempo, Nossa
Senhora é nossa medianeira particular, porque sua maternidade espiritual
estende-se também a cada um de nós, que somos membros do Corpo de Cristo. Nós
somos gerados, alimentados, educados e acompanhados pela Mãe da Igreja por toda
a vida, por isso ela é também nossa medianeira de modo particular.
Dessa forma, a Virgem
Maria é medianeira de todas as graças, pois ela nos deu Jesus Cristo, a graça
incriada e eterna, e nos dá todas as graças necessárias para a nossa salvação,
que nos foi alcançada pelo sacrifício único e definitivo de seu Filho no alto
da cruz. Embora “Medianeira de todas as graças” seja um título de Nossa
Senhora, e não um dogma de fé, o senso de fé do povo de Deus e a Igreja
Universal são favoráveis a este, tanto que a sua celebração é reconhecida na
Liturgia. Em 1921, o Papa Bento XV concedeu o Ofício e a Santa Missa da
Bem-aventurada Virgem Maria “Medianeira de todas as graças”. A sua celebração,
no dia 31 de maio, aconteceu primeiramente na Bélgica, mas se difundiu
rapidamente por toda a Igreja.
“A devoção também
chegou no Brasil e, no sul do país, ganhou enorme expressão. Em 1928, foi
introduzida no Seminário São José, da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul,
através de um santinho recebido da Bélgica por padre Inácio Valle”17. À
Medianeira junto ao Mediador, recorramos com toda a confiança:
Bem-aventurada Virgem
Maria Medianeira de todas as graças, rogai por nós!
Natalino Ueda
Missionário da
comunidade Canção Nova
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