Cristo, em sua
humanidade santíssima, já chegou à glória, essa glória que, até o momento, é
aurora para o resto da humanidade. Ainda não podemos experimentará-la, mas
cremos firmemente nela. De fato, a esperança nesse reino induziu tantos homens,
depois de Cristo, a entregar sua vida, sem temer a morte; homens que conformam
uma constelação quase infinita de jóias na história da Igreja: são os mártires.
Mas não só os mártires; na realidade, todos estamos chamados a uma única
santidade e todos devemos viver com os olhos de nosso coração voltados para o
céu porque “passa a figura deste mundo” e logo seremos “recebidos na paz e na
suma bem-aventurança, na pátria que brilhará com a glória do Senhor”. (Gaudium
et spes, 93).
Assim como na
solenidade de Páscoa a ressurreição do Senhor foi para nós causa de alegria,
assim também agora sua ascensão ao céu nos é um novo motivo de alegria, ao
lembrar e celebrar liturgicamente o dia em que a pequenez de nossa natureza foi
elevada, em Cristo, acima de todos os exércitos celestiais, de todas as
categorias de anjos, de toda a sublimidade das potestades, até compartilhar o
trono de Deus Pai. Fomos estabelecidos e edificados por este modo de atuar
divino, para que a graça de Deus se manifestasse mais admiravelmente, e assim,
apesar de ter sido afastada da vista dos homens a presença visível do Senhor,
pela qual se alimentava o respeito dele para com Ele, a fé se mantivesse firme,
a esperança inabalável e o amor aceso.
Nisto consiste, com
efeito, o vigor dos espíritos verdadeiramente grandes, isto é o que realiza a
luz da fé nas almas verdadeiramente fiéis: crer sem vacilar no que nossos olhos
não vêem, ter fixo o desejo no que não pode alcançar nosso olhar. Como poderia
nascer esta piedade em nossos corações, ou como poderíamos ser justificados
pela fé, se nossa salvação consistisse apenas no que nos é dado ver?
Assim, todas as coisas
referentes a nosso Redentor, que antes eram visíveis, passaram a ser ritos
sacramentais; e, para que nossa fé fosse mais firme e valiosa, a visão foi
substituída pela instrução, de modo que, em diante, nossos corações, iluminados
pela luz celestial, devem apoiar-se nesta instrução.
Esta fé, aumentada pela
ascensão do Senhor e fortalecida com o dom do Espírito Santo, já não se abate
pelas correntes, a prisão, o desterro, a fome, o fogo, as feras nem os
refinados tormentos dos cruéis perseguidores. Homens e mulheres, crianças e
frágeis donzelas lutaram em todo o mundo por esta fé, até derramar seu sangue.
Esta fé afugenta os demônios, cura doenças, ressuscita os mortos.
Por isso os próprios
apóstolos, que, apesar dos milagres que haviam contemplado e dos ensinamentos
que haviam recebido, se acovardaram diante das atrocidades de paixão do Senhor
e se mostraram arredios em admitir sua ressurreição, receberam um progresso
espiritual tão grande da ascensão do Senhor, que tudo o que antes era motivo de
temor tornou-se motivo de gozo. É que seu espírito estava agora totalmente
elevado pela contemplação da divindade, do que está sentado à direita do Pai; e
ao não ver o corpo do Senhor podiam compreender com maior claridade que aquele
não havia deixado o Pai, ao descer à terra, nem havia abandonado seus
discípulos, ao subir aos céus.
Então, amadíssimos
irmãos, o Filho do homem mostrou-se, de um modo mais excelente e sagrado, como
Filho de Deus, ao ser recebido na glória da magestade do Pai, e, ao afastar-se
de nós por sua humanidade, começou a estar presente entre nós de um novo modo e
inefável por sua divindade.
Então nossa fé começou
a adquirir um maior e progressivo conhecimento da igualdade do Filho com o Pai,
e a não necessitar da presença palpável da substância corpórea de Cristo,
segundo a qual é inferior ao Pai; pois, subsistindo a natureza do corpo
glorificado de Cristo, a fé dos fiéis é chamada onde poderá tocar ao Filho
único, igual ao Pai, não mais com a mão, mas mediante o conhecimento
espiritual.
Dos Sermões de São Leão
Magno, Papa
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