A aridez espiritual pode ser um trampolim para a santidade

Seguir Jesus Cristo não é aventura para os fortes, mas caminhada para aqueles que sabem insistir. Se o próprio Jesus caiu três vezes sob o peso da cruz, como esperar que sejamos tão fortes quanto inabaláveis durante o percurso? Persevera não aquele que nunca cai, mas aquele que, no chão, tem a humildade de estender a mão à misericórdia de Deus e se levantar para retomar a caminhada.

A aridez espiritual e os momentos de crise são inerentes à caminhada espiritual. A questão é o que fazemos com as nossas crises. A aridez pode se tornar um trampolim para a santidade ou um peso que nos afunda na infidelidade, como nos ensina São Francisco de Sales (1567-1622).

Caminhar com Cristo significa nos deixarmos purificar por Ele para nos configurarmos a Ele. Quando Cristo nos purifica, ou seja, quando arranca de nós costumes, sentimentos, valores, concepções e consolos, que outrora nos animavam a caminhar e a viver, a tendência natural é entrarmos na aridez. É um momento de “êxodo”, porque tantas vezes perdemos os confortos do Egito, mas ainda não tomamos posse da Terra Prometida, ou seja, da novidade de uma relação mais íntima, livre e pura com Deus. Esse espaço entre o Egito e a Terra Prometida é o lugar do deserto. Este está presente na história de salvação do povo de Deus desde Abraão, passando por Moisés, pelo próprio Jesus e permanecendo na Igreja por meio dos “padres do deserto” dos primeiros séculos, que são a grande imagem dessa realidade perene na Igreja.

Ao deparar-se com a aridez, é preciso discernir o motivo que nos levou a ela. Trata-se de uma causa de conversão ou uma consequência advinda de erros na caminhada? Se descobrirmos o motivo, respondendo a eles como alguém que renova sua decisão por Cristo, mesmo que os motivos sejam ruins, sempre seremos capazes de colher bons frutos. Diz São Paulo em Fl 3,16: “Contudo, seja qual for o grau a que chegamos, o que importa é prosseguir decididamente.”

MOTIVOS DA ARIDEZ

A primeira causa da aridez espiritual é a ação de Deus na alma, na vida do cristão. Muitas vezes, aquilo que nos animava na fé já não é mais motivo de entusiasmo. Isso é bom, porque nossas motivações precisam amadurecer. Temos de entender que “as obras de Deus ainda não são Deus” (Venerável Cardeal Van Thuan – 1928-2002). Nesse sentido, parece-me que podemos perceber três fases:

- No início da caminhada, a pessoa, encantada com a beleza das obras de Deus, sente uma empolgação em viver as coisas d’Ele. Na linguagem de Santa Teresa de Jesus (1515-1582), que é mestra nesse assunto, trata-se dos consolos espirituais. Esses consolos de experiências espirituais, comunitárias e missionárias do início são importantes, mas insuficientes para um verdadeiro conhecimento de Deus. Daí, surge uma primeira purificação dessas realidades.

- Depois, a pessoa amadurece e vai descobrindo o sentido do serviço ao Senhor. Surge o entusiasmo de dedicar-se às coisas d’Ele, empenhar-se na missão. Isso é ótimo, é profundamente evangélico; porém, o serviço do Senhor ainda não é Ele. Justamente aqui, surgem os cansaços, os fracassos e as frustrações. A tendência é o desânimo. Esse é o momento da descoberta de Deus, o momento da decisão pelo amor. São João diz: “Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus” (1Jo 3,7). Não tem jeito, somente quando o amor é puro e gratuito nós O conhecemos. Somente quando o amor a Deus é livre de condicionamentos, de sentimentos, afazeres, pessoas e estruturas, é que realmente é livre e puro.

Os erros na caminhada são os motivos negativos que levam à aridez: cansaço espiritual-psicológico. É diferente esse cansaço daquele que é próprio das atividades mesmas. Esse cansaço é um desgaste, um esgotamento espiritual e psicológico que rouba a alegria de viver a vida, a fé e a vocação.

O cansaço e suas causas:

Ativismo: Assumir tarefas e missões sem respeitar o descanso do corpo e da mente, o respeito pela vida e suas realidades belas como, por exemplo, o tempo para uma amizade, a prática de esporte etc. No ativismo, a pessoa se descentraliza do essencial de sua missão motivado por empolgações imaturas, fuga de si mesmo, agitações interiores, vaidade pelo sucesso, necessidade de domínio, centralização das tarefas ou mesmo por um zelo irreal pela obra de Deus.

Falta de disciplina: Leva-nos a dispensar energia para organizar a vida desorganizada. A disciplina nos encaminha com naturalidade aos compromissos. Surge a frustração em não cumprir os compromissos.

O fracasso no apostolado: Paulo experimentou fracassos, com em Atenas, e soube fazer deles causa de conversão (cf. 1Cor 2, 1-5). Mesmo o Evangelho está cheio de situações de fracasso de Jesus junto com o povo, com os Seus e os discípulos, que custaram entender Sua mensagem. Para os orgulhosos, os fracassos são motivo de desânimo ou de acusações. Para os humildes, os fracassos são pistas para retomar o essencial da missão. Beata Elisabete da Trindade (1880-1906) nos traz a ideia de que o fracasso é tão importante, que é como um mandamento.

Uma espiritualidade insuficiente: A pressa na oração, a pouca qualidade na oferta de si mesmo. O cansaço vem quando se perde a identidade e o sentido! Uma fonte de repouso é a redescoberta do essencial de nossa vocação. A oração nos coloca no coração de Deus, mantendo-nos na identidade e no sentido de nossa caminhada.

O adiamento da conversão: Quando não assumimos a decisão de mudança e vamos adiando a conversão, há uma tremenda luta e perda de energia na sustentação da identidade e de práticas antigas. Às vezes, lutamos com realidades em nós que são desnecessárias e carregamos “não o peso suave e fardo leve de Cristo”, ou seja, “a mansidão e a humildade” que é a Sua Doutrina (cf. Mt 11,29), mas o peso de nossas mentiras, de nossos orgulhos: a angústia de quem não perdoa, o azedume de quem critica, a luta de quem tem um coração duro, a desconfiança de quem não confia, o desespero de quem é orgulhoso. O tempo pede a maturidade de ser feliz na doação de si. Contudo, quando se resiste à felicidade da maturidade, e continua insistindo em receber, logo surge uma vida frustrada, e a caminhada humana/cristã se torna infeliz e pesada.

Não aceitação da própria verdade: A mentira a respeito de nós mesmos nos faz desprender energias com coisas desnecessárias, bem como esforço para manter oculta a verdade. Deus nos ama, não apesar de nossa franqueza, mas porque somos fracos. Procuramos o bem, não por méritos, mas como resposta ao Seu amor e, quando parecemos ricos, saibamos que continuamos pobres, porque só Ele é rico. É preciso reconhecer nossas franquezas com liberdade e louvor (cf. 1Jo 1, 8-9; 1Cor 1, 27; 2Cor, 12,10).

Luta contra Deus e Sua Vontade: ter um coração agradecido, louvor à glória de Deus.

Diante disso tudo, é preciso sempre discernir o motivo da aridez. Para tanto, é importante um diretor espiritual. Discernido, especialmente se os motivos são os erros da caminhada, é preciso aplicar os remédios que vêm de encontro a esses erros. Santo Inácio de Loyola (1491-1556) dizia que “na tribulação não se deve tomar nenhuma decisão”. Isso é importante, porque se trata de um momento frágil que o maligno pode usar para nos confundir. Fundamental é que em toda aridez se mantenha a decisão por Cristo, pois Ele mesmo nos diz: “Buscai e achareis. Batei e vos será aberto.Porque todo aquele que pede, recebe. Quem busca, acha. A quem bate, abrir-se-á” (Mt 7, 7-8).


André L. Botelho de Andrade

Fundador e Moderador Geral da Comunidade Católica Pantokrator

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