O
texto do livro do Êxodo 20, 1-17, proclamado neste terceiro domingo da
Quaresma, se enquadra no contexto da Aliança que Deus sela com seu povo. O
grande gesto de salvação de Deus é a libertação do povo da escravidão.
Mas,
para ser um povo verdadeiramente livre e feliz, Deus lhe dá os mandamentos, que
não são um peso, não cerceiam a liberdade, mas dão segurança e garantem a
felicidade. A Aliança é um pacto: por parte de Deus, a libertação da escravidão
do Egito; por parte do povo, a lei de Deus.
No
centro do decálogo (dez palavras) está a defesa da vida. O espírito sagrado dos
mandamentos está no versículo 2: devem possibilitar a experiência de Deus como
presença libertadora e protetora da vida. A lei dos dez mandamentos indica o
caminho que o povo deve percorrer desde a “casa da escravidão” até à plena
liberdade junto a Deus.
Os
dez preceitos são breves e gerais, repartidos em deveres para com Deus e para
com o próximo, em forma negativa e positiva. Embora breve e seletiva, a série
abrange um campo amplíssimo de conduta. Deus exige do ser humano que este o
respeite e ao próximo. Os mandamentos se contrapõem às opressões sofridas pelo
povo no Egito, onde, em nome do deus do faraó, se justifica todo tipo de
opressão.
Na
segunda leitura (1Cor 1, 22-25), o sinal da Aliança não é mais o sangue dos
cordeiros (cf. Ex 24), mas o sangue de Cristo, que sela a nova Aliança entre
Deus e a humanidade. No anúncio cristão, o evento pascal não é mais a
libertação do Egito, mas o Cristo crucificado. A salvação é agora obtida
mediante a fé no acontecimento da cruz, poder e sabedoria de Deus, porque são
capazes de dar a salvação.
De
fato, a cruz, cerne da pregação de Paulo, parece uma verdadeira loucura, sinal
de fraqueza e caminho de perdição. Mas Deus a transformou em sabedoria, sinal
de força e caminho de salvação, porque alicerçada no amor.
No
Evangelho (Jo 2,13-25), lemos que Jesus expulsou os comerciantes do templo e
derrubou a mesa dos cambistas. Observando a composição do Evangelho de João,
não se pode omitir uma referência ao lugar que nele ocupam as festas judaicas.
Em torno destas festas se cristalizam certos conjuntos. O ponto de vista do
evangelista é mostrar que todas as festas do templo encontram sua plenitude no
Cristo, cujo corpo é, doravante, o único templo (Cf. 2,21). Não se pode colocar
remendo novo em pano velho (Cf. Mc 2,21).
Isso
é evidente desde a primeira subida de Jesus a Jerusalém nas proximidades da
Páscoa (Cf. 2,13). Jesus explica não só (como nos sinóticos) os cambistas e os
vendedores de pombas, mas também bois e ovelhas (Cf. 2,14). Ora, bois e ovelhas
eram vítimas pascais (Cf. Dt 16,2). A insistência do evangelista, que repete no
versículo 15: “com suas ovelhas e seus bois”, deseja sublinhar que as vítimas
destinadas à Páscoa foram expulsas. É sinal de que virtualmente a Páscoa
judaica fica abolida.
Vale
notar que a expulsão dos vendilhões do templo, que em João situa-se no início
do ministério público de Jesus (próxima a uma festa de Páscoa), é colocada
pelos sinóticos após a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém.
Segundo
João, a ruptura, com as autoridades do templo tem lugar no começo de sua vida
pública. Nos sinóticos, este gesto, no final de seu ministério, faria
transbordar um cálice já cheio: a hostilidade dos chefes judeus contra Jesus.
Voltemos
à questão do templo. Trata-se do conflito entre o templo antigo, feito de pedra
com seus muitos sacrifícios de animais, e o templo novo que é Jesus, presente
nas comunidades. O templo antigo ficava em Jerusalém. Era um só para todos!
Deus ficava longe. Mas o povo fazia romarias para visitá-lo e sentir a sua
presença. Jesus, o novo templo, está presente em cada comunidade, em toda
parte. Ele faz Deus ficar bem perto de nós.
Jesus
vai ao templo para encontrar o Pai, e encontra o comércio. Encontramos aqui um
contraste entre o antigo templo, que se transformou em casa de comércio, e o
novo templo que é Jesus. Observando o que passava no templo, Jesus faz um
chicote de cordas e de lá expulsa os vendedores com seus animais. Derruba as
mesas dos cambistas, joga o dinheiro no chão e diz aos vendedores de pombas:
“Tirai isso daqui! Não façais da casa do meu Pai uma casa de comércio” (Jo
2,16).
O
gesto e as palavras de Jesus lembram várias profecias; a casa de Deus não pode
ser transformada em covil de ladrões (Cf. Jr 7,11); no futuro não haverá mais
vendedor na casa de Deus (Cf. Zc 14,21); a casa de Deus deve ser uma casa de
oração para todos os povos (Cf. Is 56,7).
Vendo
o gesto de Jesus, os discípulos foram lembrados outras frases e fatos do
Primeiro Testamento: “O Zelo de tua casa me devora” (Sl 68,10), e o profeta
Elias que dizia: “Eu me consumo de zelo pela casa de Deus” (1Rs 19,10).
Tocando
no templo, Jesus tocava no fundamento da religião do seu povo. Os judeus, isto
é, os líderes, perceberam que ele tinha agido com grande autoridade. Por isso,
pedem que apresente as credenciais: “Que sinal nos mostras para agir assim?”
(Jo 2,18). Jesus responde: “Destruí este templo, e em três dias eu o
levantarei” (Jo 2,19). Jesus falava do templo do seu corpo, que seria destruído
pelos judeus e em três dias seria totalmente renovado por meio da ressurreição.
Os
judeus tomaram as palavras de Jesus ao pé da letra e zombaram dele: “Quarenta e
seis anos foram precisos para a construção deste santuário e tu levantarás em
três dias?” (Jo 2,20).
Os
discípulos também não entenderam o significado desta palavra de Jesus. Só
depois da ressurreição foi que eles se deram conta de que ele estava falando do
templo do seu corpo (Cf. Jo 2,22). A compreensão das coisas de Deus só acontece
aos poucos, em etapas.
A
expulsão dos comerciantes tinha ajudado a entender as profecias do Primeiro
Testamento. Agora, é a luz da ressurreição que ajuda a entender as palavras do
próprio Jesus. O Ressuscitado é o novo templo onde Deus se faz presente no meio
da comunidade.
Naqueles
dias da festa da Páscoa, estando Jesus em Jerusalém, muita gente começou a crer
nele por causa dos sinais que ele fazia. João comenta que a fé da maioria
destas pessoas era superficial e Jesus não lhes dava crédito, pois conhecia o
seu humano por dentro (Cf. Jo 2,23-25).
Diocese de Limeira
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