Uma rápida consulta ao
dicionário nos revela que a virtude da temperança tem algo a ver com a
moderação na comida, na bebida e no sexo.
Santo Agostinho
(354-430) recorda que comida, bebida e sexo são realidades que alimentam a vida
humana e possibilitam tanto a sobrevivência do indivíduo (comida e bebida) como
a sobrevivência da espécie humana como um todo (sexo).
Veja, no entanto, que
estranho: são exatamente essas forças de vida que podem gerar a desordem que
nos leva à morte. Por isso, as desordens que entregam o homem ao prazer da
comida e da bebida (gula) e aos deleites do sexo (luxúria) parecem ser mais
potentes que todas as outras. A gula e a luxúria conseguem desestruturar mais
que as outras doenças. Ou seja, curiosamente, parece que, no centro da própria
vida do homem, existe algo que pode levá-lo à morte.
Insistimos nesta ideia
para que não passe despercebida, pois é muito importante. O prazer da bebida e
da comida atua na conservação do indivíduo. Se alguém deixar de comer,
certamente morrerá. Algo análogo acontece com o deleite sexual no âmbito da
conservação da espécie. Se toda a humanidade decidisse parar de manter relações
sexuais, a espécie humana deixaria de existir. Ora, são exatamente essas
tendências de conservação do indivíduo e da espécie humana, criadas por Deus,
que podem se desordenar a ponto de nos levar à morte.
Por isso, o vício da
gula não é uma entidade com existência própria, como se fosse um parasita a ser
arrancado ou um demônio a ser expulso. Se fosse assim, a temperança poderia ser
alcançada com um inibidor de apetite ou uma cirurgia estomacal. Mas a medicina
atual já comprovou que o problema não está no corpo. Cirurgias e medicamentos
podem auxiliar, mas nada substituirá a virtude da temperança.
Nenhum dom, nenhuma
energia dada por Deus pode ser desprezada, mas sim ordenada, direcionada para
Ele. A castração de Orígenes jamais foi aprovada pela Igreja (e também não
resolveu seus problemas sexuais; porém, quando descobriu isso, já era tarde
demais). Extirpar as energias que usamos para pecar não é uma realidade
possível nem desejável, pois as tendências que mais podem perturbar a alma são
exatamente as que estão no centro da vida humana.
Retomando a comparação
feita com um carro, poderíamos dizer o seguinte: o problema dos desastres de
automóvel não será resolvido com a retirada do motor do veículo, esvaziando-lhe
o tanque ou proibindo o motorista de usar o pedal do acelerador, pois é próprio
da natureza do carro produzir movimento, energia cinética. O problema só poderá
ser resolvido satisfatoriamente se esta energia for limitada pelo frio e
direcionada pelo volante.
Este é o tipo de
ordenamento proposto pela temperança. Trata-se de um “tempero”, de uma ordem
dada às energias de vida que recebemos de Deus. Ao temperar os alimentos, o bom
cozinheiro sabe a medida certa e a forma de usar cada um dos condimentos.
Precisamos aprender a usar os temperos da vida, para que ela não perca o sabor.
Padre Paulo Ricardo
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