Sede perfeitos, como é
perfeito vosso Pai celeste
Nos primeiros séculos,
os que tinham sido batizados, na Vigília Pascal, vestiam-se de branco até o
segundo domingo da Páscoa, oferecendo a todos o testemunho externo da vida nova
recebida no sacramento. Neste fim de semana, é toda a Igreja, vestida de gala,
que deseja oferecer ao mundo inteiro a roupa da alegria, chamada santidade, com
a canonização de João XXIII e João Paulo II, duas pérolas da coroa da Igreja em
nosso tempo, cujos exemplos são oferecidos como referência para a maravilhosa
aventura cristã. São dois contemporâneos, com os quais muitos de nós
compartilharam diálogo e convivência. Seu modo de viver está bem ao nosso
alcance, suas palavras e ensinamentos ecoaram pelo mundo pelos meios de
comunicação de nossa época. Mostram que a santidade é atual e possível.
Os santos são homens e
mulheres que levaram a sério a graça do batismo e decidiram viver não para si,
mas para Deus e para o serviço dos outros. Não programaram ser canonizados, mas
quiseram ser bons cristãos. João XXIII, em seu diário, descreveu com
simplicidade e profundidade o seu dia a dia, seus roteiros de oração e
meditação, suas decisões cotidianas de perdão, alegria, seriedade no seguimento
de Nosso Senhor. João Paulo II, que viveu, na infância e na juventude,
capítulos dolorosos provocados pelas ideologias e autoritarismos do século XX,
conduziu a Igreja à virada do milênio e nos brindou com o convite à santidade:
"Se o batismo é um verdadeiro ingresso à santidade de Deus, por meio da
inserção em Cristo e da habitação do Seu Espírito, seria um contrassenso
contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma
religiosidade superficial. Perguntar a um catecúmeno: 'Queres receber o
Batismo?' significa, ao mesmo tempo, pedir-lhe: 'Queres fazer-te santo?'.
Significa colocar, na sua estrada, o radicalismo do Sermão da Montanha: 'Sede
perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste' (Mt 5,48).
Este ideal de perfeição
não deve ser objeto de equívoco vendo nele um caminho extraordinário,
percorrido apenas por algum gênio da santidade. Os caminhos da santidade são
variados e apropriados à vocação de cada um. Agradeço ao Senhor por me ter
concedido beatificar e canonizar muitos cristãos, entre os quais numerosos
leigos que se santificaram nas condições ordinárias da vida. É hora de propor,
de novo, a todos, com convicção, esta medida alta da vida cristã ordinária:
toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta
direção". (Novo millenio ineunte, 31).
João XXIII viveu as
duras realidades das duas guerras mundiais e veio a suceder, visto como
eventual Papa "de transição", o grande Papa Pio XII. Como alguém que
trata de amenidades, fez saber aos que com ele trabalhavam, no início de seu
pontificado, que convocaria um Concílio Ecumênico. Dali para frente, provocou
na Igreja a oração e a preparação efetiva para o que o próprio Papa chamou de
nova primavera, desejando uma nova estação de abertura e diálogo com todas as
realidades de nosso tempo. Os cinco anos de pontificado valeram séculos! Mater
et Magistra e Pacem in terris foram duas encíclicas que firmaram princípios e
práticas para a ação social da Igreja. Abriu e conduziu a primeira sessão de
trabalhos do Concílio Vaticano II, mostrou ao mundo a face da bondade, abriu
sorrisos, foi ao encontro dos mais sofredores, pintou de bom humor o rosto da
Igreja! Viveu a dura experiência de uma enfermidade dolorosa, com o câncer que o
levou à morte, parecido com tanta gente de nosso tempo. Sim, foi homem, Papa,
irmão, sorriso de Deus para sua época. No próximo domingo, elevado
definitivamente à glória dos altares, resplandece como presente de Deus à
Igreja e à humanidade.
De João Paulo II nunca
se falará suficientemente. Um magistério pontilhado pela sensibilidade
inusitada a todas as situações humanas e desafios a serem enfrentados pela
Igreja. Uma presença universal efetiva, indo até os confins da terra para levar
a Boa Nova do Evangelho. Aquele que nas lides da Polônia havia enfrentado
nazistas e comunistas, corajoso na liderança dos católicos para se manterem
fiéis à fé cristã, tesouro maior de sua nação, foi conduzido ao sólio de Pedro,
em 1978, permanecendo à frente da Igreja até o dia 2 de abril de 2005, na
véspera Festa da Divina Misericórdia. No próprio Domingo da Misericórdia, será,
agora, canonizado.
Quantos adultos, jovens
e crianças só tiveram esta figura de Papa em seu horizonte de Igreja, até que o
Senhor o chamou para a Sua Páscoa pessoal. Naquele início de noite de sua
partida, desejoso de estar com o Senhor, tinha o coração agradecido especialmente
aos jovens, aos quais tantas vezes se dirigiu e, ali, se encontravam bem perto
dele. Apagou-se como uma chama, deu tudo de si à Igreja e ao mundo. Em seus
funerais, uma faixa emergia no meio da multidão - "Santo subito" -
pedindo que fosse logo aclamado santo. Seu sucessor, o grande Bento XVI, teve a
alegria de beatificá-lo, numa apoteótica afluência de gente do mundo inteiro,
no dia 1º de maio de 2011. Seus ensinamentos continuam a ser conhecidos e
aprofundados na Igreja e no mundo. O convite feito, no início de seu
pontificado, continua atual e provocante: "Não tenhais medo de acolher
Cristo e de aceitar o seu poder! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as
portas a Cristo! Ao seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas
econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização
e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem 'o que é que está dentro do
homem'. Somente Ele o sabe!" (Homilia da Missa de inauguração do
Pontificado de João Paulo II, 22 de outubro de 1978)
Agora, Papa Francisco
canoniza os dois Papas. A Igreja oferece, na Festa da Divina Misericórdia, dois
presentes de amor. Fizerem-se santos pela Igreja e pela humanidade, foram
homens de nosso tempo, amaram a Igreja e se entregaram por ela. Louvado seja o
Senhor pela história, o exemplo e a intercessão dos dois heróis de nosso tempo.
São João XXIII, rogai
por nós! São João Paulo II, rogai por nós!
Dom Alberto Taveira
Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
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