Era uma vez, uma casa
cheia de gente. Tinha pai, mãe, filhos, avô e avó. O silêncio nunca estava
nessa casa, pois o papagaio não parava de falar. Era uma mistura de família
italiana com brasileira. A mesa sempre farta, tom de voz alto, música, então,
não faltava nos almoços de domingo. Mas havia algo interessante no dia dia
dessas pessoas: elas não conversavam sobre a vida delas.
Eles resolviam
problemas, providenciavam o alimento, a roupa e o remédio, mas não promoviam o
bate-papo ao redor da mesa; muito menos a escuta de suas dores e aflições, nem
mesmo de suas experiências de sucesso. Não havia tempo! E essa casa, tão cheia,
foi se esvaziando, sem que a música deixasse de ser tocada aos domingos ou que
alguns de seus membros saíssem de lá.
Os relacionamentos
foram morrendo e as pessoas de dentro foram substituídas pelas pessoas de fora,
novos amigos e colegas. Tudo era só aparência. Todos juntos e separados ao
mesmo tempo.
Essa realidade tem invadido
os lares, sendo justificada por vários motivos: por causa dos novos arranjos
familiares, pela utilização abusiva da tecnologia, pelas saídas constantes dos
pais para trabalhar, para servir a Igreja ou, simplesmente, por não saberem
promover momentos de convivência dentro de casa. Os discursos comuns – a vida é
dura, não há dinheiro mais para nada, todos vivem cansados – têm ocupado o
lugar da esperança, do "apesar de tudo, vale a pena", das gargalhadas
e da boas convivências.
Os filhos, por sua vez,
são fechados em seu mundo; mas como não nasceram para viver sozinhos, buscam
sair da solidão antecipando a fase do namoro, assistindo a filmes até altas
horas da noite, querendo passar dias na casa dos amigos, não se desgarrando dos
seus celulares. Aliás, temos de reconhecer que não se desgarrar dos Facebook ou
da internet, por exemplo, não está sendo uma atitude apenas da juventude, mas
da maioria das pessoas que já descobriram que estão vivendo sós e precisam se
relacionar. Diante dessa necessidade, o virtual se torna próximo, e é muito
difícil mudar essa realidade.
Em um ambiente no qual
só fala em problemas, sempre haverá alguém de "saco cheio" de
ouvi-los; consequentemente, essa pessoa "pegará o seu banquinho e sairá de
mansinho". Assim, vão se formando os "órfãos" dentro de casa, dentro
das comunidades e até nos locais de trabalho. Aprender a conviver, a dialogar,
a promover momentos prazerosos e lúdicos, aprender a partilhar problemas e
expressar afeto positivo, quer seja com palavras, quer seja com toques físicos,
ouvir e dar conselhos, são habilidades que precisam ser praticadas
frequentemente, com disponibilidade, paciência, amor e respeito. Tudo isso para
que se torne um comportamento duradouro, intenso e necessário entre os
familiares.
Orfandade em casa. Você
já havia pensando nesse comportamento? Conhece alguém que se sinta assim? E em
sua vida, já viveu experiências parecidas com o que está sendo abordado? O que
você fez ou tem feito para não se sentir órfão dentro da sua própria casa?
Pensemos juntos: dentro de uma casa há tantas pessoas! Gente graúda e gente
miúda.
Imaginemos, então, o
filho, gente miúda vivendo solidão. Que tipo de apoio precisará receber dos
pais e dos familiares quando constatado o estado de orfandade na vida dele?
Talvez, não seja preciso constatar, mas perceber os sinais. Ainda há pouco, eu
estava atendendo uma cliente, para a entrega de um relatório, e ela me disse:
"Ai, doutora, a minha filha está naquela fase que se isola". Eu lhe
perguntei: "Que fase é essa?". Com o tom mais baixo, ela respondeu: "Adolescência!".
Expliquei para ela que
a adolescência não acontece da noite para o dia. Nós não vivemos para esperar o
dia em que a adolescência ou a velhice vão chegar. Nós vivemos um processo
chamado "desenvolvimento". Ela concluiu: "Na verdade, há muito
tempo que a minha filha vem se isolando". É necessário que nós assumamos
um espaço na sociedade, enlaçando as pessoas da melhor forma possível. Enlaçar
é o mesmo que cativar e se deixar ser cativado. É esse o instrumento para
enfrentar o mundo contemporâneo e suas astúcias, é esse o instrumento do
encontro, e a nossa família precisa querer fazer uso dele.
Decidir contra tudo o
que nos leva ao estado de orfandade, de desencontro consigo e com o outro é
permitir-se adentrar em seu próprio casulo, atrás das curas mais profundas, do
perdão mais distante; enfim, ir em busca da vida. O ambiente, quando afetado
pelo nosso comportamento, devolve-nos as consequências; uma delas é a
necessidade ardente de solução. Assim como nós, o ambiente em que vivemos também
não quer se sentir órfão, mas conviver conosco. Trata-se de uma atitude madura
e consciente do que queremos de nós mesmos e do outro que está à nossa volta.
Portanto, no mundo atual, todos correm o risco de se sentirem órfãos dentro da
sua própria casa. Os pais devem conversar com os filhos, colocar-se à
disposição deles para escutar suas insatisfações, dar-lhes oportunidade de
expor sua opinião sobre a sua casa, a rotina da família, entre outras coisas.
Sugerir a eles que brinquem, se divirtam, produzam autoestima. Os pais devem
planejar, juntamente com seus rebentos, meios de diminuir os momentos em que
estes se sentem sós; identificar em que contexto nasceu a solidão e realizar o
que foi planejado.
Caso os pais ou os idosos também estejam
vivendo essa realidade na família, o procedimento deverá ser o mesmo. Colocar
as cartas na mesa. É preciso sair desse ciclo de solidão, o qual se abre e se
fecha enquanto não for enfrentado e curado. Às vezes, a solidão é desencadeada
ao ouvir uma música, lembra-se de épocas festivas, um excesso de reforço
negativo, punições descabidas, extinções de situações agradáveis com pessoas
queridas.
"A solidão é fera,
a solidão devora. É amiga das horas, prima-irmã do tempo e faz nossos relógios
caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração." (Alceu
Valença)
Judinara Braz
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