Homilia do 7° Domingo do Tempo Comum

Todos somos chamados por Deus a ser santos, a tender à perfeição, como o Pai é perfeito. O caminho para chegar à plena santidade é o amor: amor a Deus e aos irmãos, amor aos que sofrem, amor a si mesmo, à família, amor à natureza, ao cosmo inteiro.

As três leituras de hoje podem ser consideradas uma forma de ingresso ao tema da “santidade pelo amor”. A primeira, é um fragmento do “código de santidade” do livro do Levítico, e apresenta uma imagem de santidade, mediada pela responsabilidade para com o próximo; isto é, que o caminho para chegar a Deus e alcançar a santidade começa com o respeito pela vida e pela dignidade do outro.

Este critério é o centro da Lei e dos Profetas, o eixo que determina nossa verdadeira relação com Deus, o elemento fundamental da fé, já que através da abertura aos demais é a forma de como nos tornamos partícipes da promessa de salvação oferecida por Deus a seu povo. Paulo, na primeira cara aos Coríntios, considera o ser humano como templo de Deus e morada do Espírito. Com isso está dizendo que cada pessoa é presença concreta de Deus na história humana.

Este templo do qual Paulo fala é a comunidade cristã de Corinto, onde a Palavra anunciada foi escutada e surtiu efeito. A intenção de Paulo é advertir os ouvintes dos perigos que circundam esse templo e que ameaçam destruí-lo. Esses perigos se encarnam naqueles que pretendem anular a mensagem de Cristo crucificado através de discursos provenientes da sabedoria humana, que recusam a vinculação e a identificação de Deus com a debilidade humana e a solidariedade de Deus para com os marginalizados da sociedade.

A mensagem de Paulo é supremamente importante, pois compreende que o verdadeiro templo onde Deus habita são as pessoas. Deus habita na vida da humanidade, nos homens e mulheres de todo o mundo, sem distinção de raça, cultura ou religião. Desta forma Paulo supera a redução da presença viva de Deus a uma construção, a paredes ou a um “lugar” específico de culto.

São as pessoas o lugar verdadeiro onde devemos dar culto a Deus; são as pessoas o lugar privilegiado onde toda nossa fé deve ser expressada, especialmente com aqueles homens e mulheres que, sendo santuários vivos de Deus, foram profanados pela pobreza, pela violência e pela injustiça social.

O elemento fundamental do projeto cristão é apresentado nesta secção do evangelho de Mateus: o amor. Este amor proposto por Jesus supera o mandamento antigo que permite implicitamente o ódio ao inimigo. Supera-o porque é um amor que não se limita a um grupo reservado de pessoas, aos do meu grupo, aos da minha etnia, ou a meus patriotas, ou aos que me amam, mas alcança os inimigos, o que poderiam não merecer meu amor, ou inclusive poderiam merecer meu desamor.

É um amor para todos, um amor universal, expressão própria do amor de Deus que é infinito, que não distingue entre bons e maus. Ser perfeito, como Deus Pai é perfeito, significa viver uma experiência de amor sem limites, é poder construir uma sociedade distinta, não fundada na lei antiga de Talião (“olho por olho, dente por dente”, que já era uma maneira primitiva de limitar o mal da vingança), mas na justiça, na misericórdia, na solidariedade; todos esses valores fundamentados no amor.

Somos seres simbólicos e não podemos viver nossa vida isoladamente. Ao contrario, para chegar a ser necessitamos da convivência, da companhia, do diálogo a dimensão moral é uma abordagem inevitável. Não podemos conviver sem alimentar e suavizar continuamente os limites de nossas relações. Não há sociedade humana sem moral, sem direito, sem lei, sem normas de convivência.

Por sua parte, a dimensão religiosa deve incluir essa dimensão essencial. No Antigo Testamento vemos que a maior parte dos mandamentos são negativos, ressaltando o que não se podia fazer, os limites que não deviam ser transpostos. É o primeiro estagio da moral. O Evangelho dá um salto para diante. Parece não estar tão preocupado com os limites, quanto pelo “poço sem fundo” que é preciso encher, a perfeição do amor que é preciso alcançar.

Este objetivo não pode ser alcançado simplesmente evitando o mal, mas praticando o bem. Com o Evangelho na mão, não estaríamos conseguindo o bem moral supremo, a santidade, simplesmente omitindo o mal, porque poderíamos estar pecando “por omissão do bem”.

E, como disse santo Tomás, o mandamento do amor sempre resulta inexeqüível na sua plenitude, pois nunca podemos dar conta plena dele; sempre se pode amar com mais entrega, com mais generosidade e com mais radicalidade. É típica a proposta do Evangelho do amor aos inimigos, o amor humanamente mais inexeqüível e racionalmente mais dificilmente justificável.

Não obstante, à proposta desta liturgia da palavra, de uma santidade à qual se chega pelo amor, quase como em um acesso privilegiado ou quase único, teríamos de adicionar-lhe algum complemento. À santidade cristã não se chega somente por amor prático, pela prática moral ou ética.

É certo que na história das religiões o cristianismo fez fama como sendo a religião que mais organizou a prática do amor, e pelo fato de sua presença ser acompanhada sempre com as “obras de caridade” (hospitais, escolas, centros de promoção humana, leprosários, atenção aos pobres, aos excluídos...) que lhe são características.

Porém, bastará o amor? E a dimensão espiritual? A espiritualidade, a contemplação, a mística... onde andam? Obviamente, não estamos diante de uma alternativa amor-caridade/espiritualidade-mística. Os grandes santos da caridade foram também grandes místicos. Não se trata de uma alternativa (ou uma coisa ou outra), mas de uma conjunção necessária: as duas coisas. Porque as duas realidades se interpenetram perfeitamente.

De fato, o santo também é um “contemplativus in caritate”, vive a contemplação no exercício da caridade. A Espiritualidade da libertação cunhou a famosa fórmula: “contemplativus in liberatione” como uma perfeita harmonia entre ação e contemplação, prática moral e mística. Na realidade, quando se vive a mística, a moral brota espontaneamente.

Sem dúvida, o cristianismo está desafiado a mudar seu modo de alcançar a moral, que deve ser, não tanto um acesso direto, “moralizante”, insistindo nos preceitos e ameaças ou castigos, mas em um acesso indireto, pela via da mística, da experiência mística, que não deixa de ser a experiência mesma do amor.

O concílio Vaticano II, realizado há quase 50 anos, abriu um panorama até então inusitado, o do “chamado universal à santidade”, uma santidade que anteriormente muitos cristãos consideravam reservada aos “profissionais” da santidade (os monges, os religiosos, o clero, porém não o comum dos fiéis).


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