O lugar que esta passagem do evangelho ocupa no plano do evangelho de Mateus - especialmente, sua proximidade com a páscoa -, permite afirmar que, para além de uma disputa com seus adversários, este ensinamento de Jesus tem algo de testamento e de legado para os seus discípulos. Jesus, ao propor dois mandamentos fundamentais, não pretende reduzir a lei ao mínimo - a tradição judaica contava 613 preceitos a serem observados! -, mas deseja apontar o eixo fundamental da lei, lembrando que sua íntima motivação é o amor.
A unidade dos dois mandamentos, entre o amor a Deus e o amor ao próximo, e suas relações profundas, apresenta-se como o ensinamento fundamental do Senhor, perpassando diversas passagens do evangelho, como, por exemplo, a parábola do juízo final. Aos olhos do Senhor, não apenas é falsa a oposição amor a Deus e amor ao próximo, fé e obras, oração e vida, como também é incompreensível a existência de um sem o outro. “Nunca a Escritura e a tradição cristã permitiram ao cristão desinteressar-se do humano, sob o pretexto de interessar-se unicamente por Deus. Nunca deixaram de indicar no serviço ao humano um modo de servir a Deus”. É ancorado nesta tradição que Santo Irineu, no século II, irá afirmar claramente: “A glória de Deus é a vida do homem”.
Esta centralidade do amor e da unidade entre o amor a Deus e o amor à humanidade transparece na reunião litúrgica.
Celebramos porque amamos, e a liturgia é mais exercício de ternura do que de obrigação a Deus. Nela, os dois mandamentos são cumpridos e reunidos. Pois como entender a liturgia sem o amor aos irmãos e irmãs ali reunidos? E como entender a liturgia sem o amor e a atenção ao Deus que nos fala e manifesta sua generosidade para conosco? A assembléia, convocada pelo amor do Pai, realiza ao mesmo tempo um duplo movimento: unidos na caridade fraterna nos dirigimos a Deus como seus filhos adotivos. Por isso, ao nos reunirmos para celebrar, num dos nossos primeiros gestos, proclamamos liturgicamente a unidade entre os dois mandamentos e dizemos: “Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo!”.
Retirado da Revista de Liturgia
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