Pascal, pensador do
século XVII, afirmava que “o coração tem razões que a própria razão desconhece:
percebe-se isso de mil modos (...)”. Esta sua afirmação tornou-se célebre. O
que entendia o pensador por coração? Teria este alguma relação com o grande e nobre
desafio da educação?
O coração é um órgão
vital do corpo humano, muito estudado, acompanhado e cuidado. A arte médica
realizou muitas conquistas no tocante ao cuidado deste órgão vital. No entanto,
o coração humano tem conotação mais ampla: é considerado a sede dos
sentimentos, expressão da intimidade do ser humano, centro das grandes decisões
existenciais e da vida. Para além de considerações fisiológicas, queremos
centrar a atenção para aquilo que ele representa.
Podemos dizer que o
coração representa o horizonte no qual o ser humano pode atingir o conhecimento
de si, de seus sentimentos, de suas paixões, de seus impulsos, tendências,
desejos e valores, de suas capacidades e aptidões. São aspectos da existência
humana que ultrapassam a mera racionalidade; não são aspectos contrários à
razão, mas mais profundos. Assim, o âmbito do coração recebe uma amplidão de
possibilidades que está além da razão, sem ignorá-la; indica para experiências
originárias de conhecimento! Nessa perspectiva, podemos identificar um
horizonte de experiências, no qual a razão lógica não pode penetrar e que,
todavia, toca dados objetivos autênticos, segundo uma ordem sua própria.
Tendo presente tais
considerações, poderemos perguntar: o que a educação pode fazer pelo coração humano?
No que ela pode cooperar para que esta dimensão decisiva da existência humana
receba justas orientações para o desenvolvimento de uma existência humana
verdadeiramente integrada e integradora? Como as instituições educativas
abordam tais aspectos da existência humana, decisivos para o convívio social
integrado, harmonioso e respeitoso?
Há, talvez,
especialistas e técnicos na arte da educação que desconsideram tais afirmações
e indicações. Haveria, talvez, daqueles que considerassem tudo isso tarefa exclusiva
dos genitores, da família. Encontraremos outros ainda que, talvez, dirão que
tudo isso nada tem a ver com educação... Será?
Certo é que encontramos
tantas realidades em que respeito, valores, aptidões, desejos, sonhos,
impulsos, regras, aspectos fundamentais do convívio humano civilizado são
simplesmente transcurados, senão ignorados. E no empurra-empurra das
responsabilidades, vemos um número crescente de pessoas sendo lançadas para as
‘periferias existenciais’.
Não resta dúvidas de
que um número sempre maior de pessoas tem acesso à instituição escolar, pois
cresceu o número daqueles que chegaram à universidade. Mas sob que condições?
Quais seriam os resultados objetivos dessa realidade? Melhorou o convívio
social? Vemos pessoas melhor formadas, mais bem informadas? Ora, informação não
pode ser considerada sinônimo de formação. Quem, afinal, define o projeto
sócio-educativo de um povo, duma nação? E para além de opiniões difusas, não é
raro encontrar adolescentes analfabetos que há anos frequentam a instituição
escolar; também não é raro encontrar pessoas que passaram pelo terceiro grau e
que não conhecem regras básicas da língua madre. Também não é raro encontrarmos
professores apavorados, reféns de grupos que agem impunemente; embora em alguns
países eles possuem lugar social de destaque, são considerados mestres, gozam
de respeito público!
Corações educados,
orientados, formados e informados crescem em sabedoria e graça diante dos
demais e do Eterno!
Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre
(RS)
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