Ela o segurava nos
braços debaixo de um sol forte e em meio à agitação própria da cidade grande,
ele dormia sereno e calmo, pois estava seguro de que nada poderia atingi-lo.
Esta cena não faz parte de um filme, é real e apesar de a ter contemplado há
algum tempo, ainda hoje me recordo claramente dela. No ponto de ônibus, uma
mãe, com ar de preocupada, segurava seu filho nos braços enquanto mantinha os
olhos fixos nos ônibus que chegavam e saíam sem parar. Um deles poderia ser o
seu e ela não poderia nem sequer pensar em perdê-lo. Observei que, apesar da
agitação própria do local e da preocupação aparente da mãe, a criança dormia
tranquila e sossegada. Sem palavras parecia dizer: "Nada temo, pois os
braços que me seguram são de alguém que me ama".
Naquele dia, a cena,
foi um pretexto para Deus falar comigo. Já observou que quando não paramos para
ouvir a voz de Deus por meio da oração Ele nos fala pelos fatos? No meu caso,
eu estava vivendo um tempo de muita correria no trabalho, já não conseguia
rezar como antes e queria resolver todas as coisas com minhas forças. Quando
ocupamos o lugar de Deus é isso que acontece. Com aquela situação, o Senhor foi
me mostrando que eu precisava confiar mais no amor d'Ele. Precisava viver a
atitude daquela criança, ou seja, abandonar-me. Na verdade, precisava amá-Lo
mais e deixar-me amar por Ele, pois só confia quem verdadeiramente ama, e quem
ama consequentemente confia.
E mais: Deus Pai abriu
meus olhos para eu perceber que a raiz da minha agitação era também falta de
amor-próprio e má interpretação do Seu amor por mim. Eu estava me comportando
como serva de Deus e não como Sua filha. E isso faz uma grande diferença em
nossa vida como cristãos. O próprio Senhor disse em Sua Palavra: “Já não vos
chamo servos, mas amigos [...]” (João 15, 15). Ou seja, o Senhor nos elegeu,
nos amou, não quer apenas o nosso serviço, mas nosso amor. Isso é próprio de
uma relação de amizade. Amamos e somos amados, e o amor vai além do fazer.
Hoje, por providência, contemplei
uma cena semelhante e lembrei-me das lições de outrora. Já não estou tão
agitada como antes, vivo uma fase diferente. Mas uma coisa é certa: preciso
continuar na escola da confiança. Devo aprender mais de Deus na matéria do
amor. "O amor lança fora todo temor, é paciente, tudo suporta, tudo crer,
tudo espera [...]" (I Coríntios 13,4-7). É por isso que quem ama confia!
Quanto mais amamos a
Deus e nos deixamos envolver por Sua misericordia, tanto mais vamos encontrando
a harmonia que tanto desejamos. E que muitas vezes buscamos nas pessoas, nos
cargos, no poder, no ter ou de tantas outras formas aparentes de segurança
neste mundo.
O abandono é, antes de
tudo, uma atitude de confiança, fruto da maturidade, e a maturidade não se
alcança de uma hora para outra, é preciso ter paciência com o tempo, dar passos
e superar os obstáculos. É por isso que quem já teve sua fé provada, tem mais facilidade
em confiar em Deus, tem forças para ir mais longe mesmo quando tudo parece
perdido.
Aquela criança
provavelmente se sentia amada, por essa razão as circunstâncias não a impediam
de confiar e repousar tranquilamente no regaço acolhedor de sua mãe.
São Francisco de Sales
faz uma interessante comparação, quando fala da alma recolhida em Deus. De
fato, diz ele; "[...] os amantes humanos contentam-se, às vezes, em estar
junto da pessoa a quem amam, sem lhe falarem nada e sem nem sequer pensar em outra
coisa que não seja estar ali... Sentem-se amados e isso basta. É assim que
acontece com a alma que se entrega aos cuidados do Criador. Repousa sossegada,
mesmo em meio aos constantes desassossegos que vive no dia a dia".
Compreendo, cada vez
mais, que a experiência do abandono em Deus passa pela descoberta do Seu amor
incondicional por nós.
Peço ao Senhor que hoje
lhe permita viver esta experiência e o cure profundamente de toda falta de
amor, devolvend-lhe a serenidade e a paz, fruto da confiança n'Ele.
Assim como a mãe segura
em seus braços o filho amado, Deus hoje o segura, não tema. Nos braços do Pai
nada poderá atingi-lo, e quem ama confia.
Dijanira Silva
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