O texto dos Atos dos Apóstolos é construído por Lucas com uma
finalidade teologia bastante especifica: estabelecendo um paralelo com o
Pentecostes do povo de Israel, mostrar que a ação de Deus continua viva agora
nos cristãos. A festa judaica de Pentecostes, celebrava, cinqüenta dias depois
da páscoa, a recepção da Torá no Monte Sinai (Cf. Ex 19,16-20 e Dt 5, 4-5).
Percebemos também um contraponto ao relato de Babel (Cf. Gn 11,
1-11): lá, a multiplicidade de línguas gerou confusão: aqui, pela ação do
Espírito de Deus, gerou unidade. A Igreja nasce com uma vocação universal,
evidenciada pelos numerosos povos ali reunidos.
Elementos como o barulho forte, o vento e as línguas de fogo são
teofânicos: expressam a presença de Deus. É essencial perceber que a comunidade
primitiva foi invadida, tomada pelo Espírito, e que toda a sua atividade
posterior se dá pelo influxo deste mesmo Espírito.
A unidade de que fala a primeira leitura não anula a diversidade
presente na Igreja. Isso é garantido pelo texto de Paulo aos Coríntios. É o
Espírito Santo que nos permite crer. O essencial é a profissão de fé em Cristo
Ressuscitado: Ele é o Senhor.
A comunidade de Corinto passava por algumas dificuldades por
causa do sincretismo religioso. Diante disso, como discernir o que é,
verdadeiramente, obra de Deus do que é puramente humano? Paulo coloca três
critérios importantes: 1. Todos os carismas devem conduzir à mesma profissão de
fé no senhorio de Cristo; 2. Todos os carismas devem ajudar a concretizar o
plano salvífico de Deus; 3. Os carismas servem ao bem comum e à unidade do
Corpo de Cristo, nunca criam divisão.
As diferenças étnicas (judeus e gregos) e sociais (escravos ou
livres) não podem perdurar na comunidade cristã. A adversidade de carismas,
assim, não destrói, mas favorecem a unidade na fé.
O Evangelho se dá no lugar da reunião da comunidade, que, ao que
tudo indica, já tinha estabelecido o costume de se reunir no primeiro dia da semana.
Chama atenção que estavam com medo, o que revela a situação da comunidade de
João em relação à Sinagoga.
Jesus entra, mesmo com as portas fechadas, põe-se no meio deles,
os saúda dando a paz. Há controvérsias exegéticas sobre a tradução das palavras
de Jesus: “’Paz a vós!’ Por essas palavras, que são as primeiras que o Vivente
dirige aos seus discípulos reunidos, Jesus não formula uma saudação ordinária,
o shalom costumeiro
dos judeus. Também não é um desejo, como erroneamente se traduz: ‘A paz esteja
convosco’. Trata-se do dom efetivo da paz, em conformidade com o que Jesus
disse no seu Discurso de despedida: ‘Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha
paz; não vo-la dou como o mundo’ (14, 27)” (LÉON DUFOUR, Xavier. Leitura do
Evangelho Segundo João – IV. São Paulo: Loyola, p. 166).
Depois se apresenta, mostrando a identidade entre o Crucificado
e o Ressuscitado. O resultado dessa visita é a alegria que brota no coração dos
discípulos, que vêem o Senhor.
Há uma nova saudação de paz, sinal do início de um novo tempo.
Jesus, o Enviado por excelência, envia agora os seus discípulos. “A missão
provém de Deus, que quer dar a vida ao mundo. O envio dos discípulos implica
tudo o que visava o ministério confiado a Jesus: glorificar o Pai, fazendo
conhecer seu Nome e manifestando seu amor (Cf. 17, 6.26)” (Idem p. 169).
Temos, agora, um gesto: soprou sobre eles. Esse sopro é indicado
com o mesmo verbo que consta em Gênesis 2,7. Faz referência clara ao ato
criador e, agora, inaugura uma nova criação. “Trata-se agora da nova criação:
Jesus glorificado comunica o Espírito que faz renascer o homem (cf. 3, 3-8),
capacitando-o para partilhar a comunhão divina. O Filho que ‘tem a vida em si
mesmo’ dispõe dela a favor dos seus (cf. 5, 26.21): seu sopro é o da vida
eterna. Mostrando a chaga de seu lado, não evocou Jesus o rio de água viva que
daí saiu, símbolo do Espírito dado aos que crêem (19,34; cf 7,39)” Ibidem,
p.169).
Prestemos atenção ao fato de que João situa esse relato no dia
da Páscoa. Assim não é Pentecostes, porque não está a cinqüenta dias da Páscoa,
como em Lucas. Contudo, é, sim, o dia do envio do Espírito Santo, mostrando o
laço imediato do dom do Espírito com o Cristo Ressuscitado.
Sobre o perdão dos pecados, confiado à comunidade, vemos que
“perdoar/manter” significa aqui a totalidade do poder misericordioso
transmitido pelo Ressuscitado aos discípulos. (…) De acordo com os profetas, a
efusão escatológica do Espírito purificará Israel de suas manchas e de seus
ídolos.
Na pregação cristã primitiva, remissão dos pecados e dom do
Espírito vão juntos. O efeito primeiro da criação nova, que Jesus significou
por seu sopro, é o renascimento do ser (cf. 3,3) e, portanto, o perdão.
Não se deve esquecer de valorizar a Sequência de Pentecostes,
hino ao Espírito Santo, louvando-o e suplicando sua vinda.
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