Após o Natal, a Igreja
põe, diante de nossos olhos, para serem contemplados em detalhes, os diversos
quadros que se sucederam ao grande acontecimento. Chama à atenção, de modo
especial, a realidade da família, a Sagrada Família de Nazaré: Jesus, Maria e
José. Deus, que é Todo-Poderoso, poderia inventar outras formas para Seu Filho
vir ao mundo e salvá-lo, mas quis que tudo acontecesse pelo meio mais comum, ou
seja, uma família humana, com tudo o que isso significa: casa, trabalho, afeto,
dificuldades mil, enfermidades, vizinhança, envolvimento com a sociedade e daí
por diante.
No entanto, esta
família foi pensada justamente no céu, no seio da Trindade, para ser um de seus
mais lindos reflexos aqui na terra. Ela é “sagrada”. Tudo o que faz parte do
plano de Deus tem esta sacralidade característica. O sagrado é “separado” do
resto e preservado pelo seu imenso valor, enquanto portador de tesouros
destinados ao bem de todos os filhos do Senhor. Nunca o sagrado seja visto
pelos cristãos como ameaça ou proibição, mas sempre como ideal a ser acolhido e
alcançado, para que não falte a graça de Deus.
Sagrada é aquela
família pela presença de Maria, Virgem e Mãe, Escrava do Senhor, a qual se
deixou revestir da Palavra de Deus, pronta a servir e amar, discípula de seu
próprio Filho, esposa, mãe e viúva, mulher forte como a vemos aos pés da cruz,
mulher da prece e do louvor no testemunho do Magnificat. Sagrada é a família,
porque é conduzida por José, homem elogiado por uma expressão riquíssima de
significado na Escritura: “justo”, o oposto do ímpio. Nenhuma palavra sua foi
registrada na Bíblia, mas o que ele fez, as sábias decisões tomadas para ser
fiel a Deus, tudo resume a altura a que chegou aquele carpinteiro de Nazaré.
Sagrada Família, porque
sua razão de ser era o acolhimento do Messias Salvador, Jesus Cristo, Filho de
Deus, chamado Filho do Homem! Sagrada Família, porque tabernáculo protetor da
presença de “Deus conosco – o Emanuel”.
Todas as relações
existentes numa família ali se encontram: responsalidade, paternidade,
maternidade, filiação. O Pai do Céu certamente tinha algo a dizer quando assim
constituiu a Família de Nazaré. “E Jesus, no limiar da sua vida pública,
realiza o Seu primeiro sinal – a pedido de Sua Mãe – por ocasião de uma festa
de casamento". A Igreja atribui uma grande importância à presença de Jesus
nas bodas de Caná. Ela vê, nesse fato, a confirmação da bondade do matrimônio e
o anúncio de que, doravante, o matrimônio seria um sinal eficaz da presença de
Cristo. Na Sua pregação, Jesus ensinou, sem equívocos, o sentido original da
união do homem e da mulher, tal como o Criador a quis no princípio: a permissão
de repudiar a sua mulher, dada por Moisés, era uma concessão à dureza do
coração, mas a união matrimonial do homem e da mulher é indissolúvel: foi o
próprio Deus que a estabeleceu: ‘Não separe, pois, o homem o que Deus uniu’” (Mt
19, 6; cf. Catecismo da Igreja Católica, números 613-614)
Há um plano de Deus,
revelado desde a criação, para a família. “O pacto matrimonial, pelo qual o
homem e a mulher constituem entre si a comunhão íntima de toda a vida, ordenado
por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole
entre os batizados foi elevado por Cristo Senhor à dignidade de sacramento”
(CIC 1601). Ainda que com o devido respeito aos direitos de todas as pessoas e
sem discriminar quem quer que seja, é fácil entender que a proposta para a
família, vinda da Escritura e da história da Igreja, tem suas características
próprias, que desejamos respeitadas e reconhecidas. Não temos “em oferta” para
as pessoas e grupos outros modelos de família entre os cristãos, a não ser a
família monogâmica e exclusiva, entre um homem e uma mulher, aberta à vida,
capaz de contribuir na obra criadora de Deus e o bem da sociedade. Quem
escolher o Cristianismo terá a alegria de optar por esta estrada quanto à
formação de uma família, o que não significa lançar sentenças condenatórias ou
entrega aos poderes do inferno das pessoas que não vivem assim. Deus é eterno
em seu amor e encontrará as formas para tocar o coração de todos os homens e
mulheres.
Retornando a Nazaré, as
famílias de nosso tempo, que desejam ser famílias e sagradas, são convidadas
pela Igreja a se espelharem em Jesus, Maria e José. A leitura dos Evangelhos
nos faz identificar uma família que reza (cf. Lc 2,41-42), busca a vontade do
Pai (cf. Mt 1,18-24; Mt 2,13-23; Mc 3,33), enfrenta as dificuldades, como a
falta de hospedagem em Belém ou a perseguição de Herodes (cf. Lc 2,1-7; Mt
2,13-18), trabalha (“não é este o carpinteiro, o filho de Maria?” – Mc 6,3),
enfrenta a dura realidade da Cruz (“Junto à Cruz de Jesus, estavam de pé sua
mãe e a irmã de sua Mãe, Maria de Cléofas, e ainda Maria Madalena” – Jo 19,25).
Os laços familiares ainda estarão presentes na preparação da vinda do Espírito
Santo, após a Ressurreição e a Ascensão, em oração, junto aos discípulos de Jesus
(cf. At 1,14).
Sagrada Família de
Nazaré! A ela confiemos nossas famílias e todas as famílias de nosso tempo: “Ó
Deus de bondade, que nos destes a Sagrada Família como exemplo, concedei-nos
imitar em nossos lares as suas virtudes para que, unidos pelos laços do amor,
possamos chegar um dia às alegrias da vossa casa. Amém.”
Dom Alberto Taveira
Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
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