O Trecho do Evangelho
de Marcos, lido hoje, está colocado após a escolha dos Doze (3,13-19) e antes
das parábolas sobre o Reino de Deus (4,1-34). Ele revela que a escuta da
Palavra é condição essencial para ser discípulos de Jesus e participar de sua
comunidade. A multidão sofrida acorre a Jesus e participa de sua comunidade,
vinda de várias regiões, com esperança de libertação (3,7-12). O caminho do
discipulado leva a compreender “o mistério do Reino de Deus” (4,11), que se
revela, aos poucos, em Jesus, o Cristo e Filho de Deus.
Jesus proclamava a
Boa-Nova do Reino de Deus nas sinagogas (1,21; 1,39), mas também nas casas
(1,29; 3,20), em todo o “espaço”, junto aos pobres, aos excluídos. Havia tanta
gente que Jesus e os discípulos não tinham tempo nem para comer (cf. 6,31). Em
Nazaré, onde viviam os parentes de Jesus, familiares e conhecidos, muitas
pessoas não o reconheceram como o enviado de Deus. Diversos motivos, como o
contato com os enfermos e pecadores, a questão da observância do sábado, levam
a pensar que Jesus enlouqueceu.
A libertação integral
das pessoas gera conflitos, especialmente com os líderes religiosos que diziam
que ele estava possuído por Beelzebu e expulsava os demônios pelo poder do
chefe dos demônios (3,22). Jesus, por meio dos exemplos do reino, da casa dividida
contra si mesmo e do arrombamento da casa de um homem forte (3,23-27), mostra
que suas ações não podem ser realizadas em parceria com Satanás, “aquele que
divide”. Um reino e uma casa divididos não subsistem. Quem se opõe à missão de
Jesus, guiada pelo Espírito desde o Batismo (1,9-11), “blasfema contra o
Espírito Santo”.
Os que acolhem os
ensinamentos de Jesus, a serviço da vida e da dignidade das pessoas, realizam a
vontade de Deus. Jesus, percorrendo com olhar os que estavam sentados ao seu
redor, disse: “Eis minha mãe e meus irmãos! Quem faz a vontade de Deus, esse é
meu irmão, irmã e minha mãe” (3,34-35).
Sentar-se ao redor de
Jesus é a atitude dos discípulos autênticos, que escutam sua Palavra (cf. Lc
10, 38-42) e realizam a vontade de Deus. A comunidade de irmãos e irmãs é
formada pelas pessoas que aderem a Jesus e manifestam a presença do Reino de
Deus através de palavras e ações.
A leitura do livro do
Gênesis pertence a um bloco maior (2,4b-3,24), escrito no tempo do rei Salomão
(970-931 a.C.), para mostrar a realidade do ser humano. Adão, “tirado da
terra”, e Eva, “mãe dos viventes”, representam o ser humano. A ambição em
querer ser igual a Deus afasta do caminho da solidariedade do jardim, plantado
ao redor da árvore, onde as relações eram vividas sem violência e dominação. Os
caminhos contrários aos ensinamentos do Senhor rompem a harmonia do paraíso, a
comunhão fraterna. Deus, porém, não abandona o ser humano, vai ao seu encontro
para restaurar sua dignidade.
A serpente, em Canaã e
em Israel, era símbolo especialmente de Baal, deus da fertilidade dos animais e
plantas. Era usada, na religião oficial para legitimar a concentração do poder
nas mãos dos reis, enfraquecendo assim as ações solidárias. O povo é chamado a
seguir ao Deus único e seu projeto de vida digna para todos, não a serpente que
gera males em todo o planeta. A promessa da vitória sobre a serpente pela
descendência de Eva, a mãe dos viventes (3,15), realiza-se plenamente em Jesus,
cuja entrega proporciona a vida eterna ao ser vivente.
O Salmo 129(130),
expressa o clamor cheio de confiança a Deus, o único que pode salvar. O
salmista espera no Senhor e em sua Palavra libertadora, mais que a sentinela
pela aurora, após uma noite de vigilância. O motivo da confiança absoluta é que
no Senhor encontra-se misericórdia e copiosa redenção.
A leitura da segunda
carta aos Coríntios salienta que a audácia apostólica decorre da confiança na
graça do Senhor. Paulo, em meio às tribulações, retoma o Salmo 116, 10:
“Acreditei, até mesmo quando eu dizia: é demais meu sofrimento”, e testemunha:
“Eu tive fé e, por isso, falei” (4,13).
A fé ativa, imbuída da
força do Espírito, suscita o testemunho e o anúncio da Boa-Nova de Jesus. A
razão da fé está em Deus, que ressuscitou Jesus e que ressuscitará o ser humano
com ele, conduzindo-o à comunhão eterna em sua presença. A adesão a Jesus, no
caminho do discipulado, faz a comunidade transbordar de ação de graças para a
glória de Deus.
O ensinamento do grande
apóstolo insiste a “não perder a coragem, a não desanimar” (cf. 4,1.16) no
caminho de transformação interior que conduz à vida nova e plena em Deus. A
imagem da tenda dos nômades no deserto ensina a “renovar dia a dia nosso
interior”.
O mistério da graça de
Deus, que atua em nossa fragilidade, e o testemunho vivo de Jesus, nos guiam no
caminho dos valores do Reino, que permanecem para sempre. Paulo lembra que o
essencial é confiar no Senhor: “Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que
a força se realiza plenamente” (12,9).
Diocese de Limeira
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