Existe oração ineficaz?

Sabiamente disse o Papa Francisco: “A oração muda nosso coração, faz-nos compreender melhor como é o nosso Deus. Mas para isso é importante falar com o Senhor não com palavras vazias, mas com a realidade”, e, diante dessa realidade, nos perguntarmos: “Existe oração ineficaz?”.

Muitos são os pedidos que acompanham a oração. Muitos pedem a Deus o restabelecimento da saúde de alguém que se encontra enfermo. Outros ainda pedem que o namorado ou a namorada volte após um rompimento. Tais pedidos acompanham os momentos de oração e cada um deles traz em si uma angústia que determinada pessoa vive na vida.

Quando nos recolhemos em oração, trazemos conosco tudo aquilo que vivemos. Nossa vida e os seus mais diversos desdobramentos são matéria-prima para o diálogo com Deus. Ao encontrar um amigo, partilhamos com ele a nossa vida. Desde os acontecimentos mais simples e banais até os fatos mais complexos e problemáticos. Deus é nosso amigo, nosso confidente, nossa resposta diante das angústias existenciais.

Se com um amigo partilhamos a vida, que dirá com Deus, o nosso maior e melhor Amigo! Cada pessoa tem suas dores e alegrias, e as leva consigo em seus momentos de oração. Não nos cabe julgar aquilo que parece ser futilidade aos nossos olhos, pois cada um sabe o peso daquilo que sua alma carrega. Deus, em Sua infinita misericórdia, saberá compreender aquilo que ao nosso parecer pode se apresentar como fútil.

A resposta a cada oração dependerá da vontade do Senhor para a vida de cada pessoa. Deus tem os Seus planos para cada ser humano, e, muitas vezes, os nossos planos e projetos não são aqueles que Ele sonhou para nós. Caberá a cada pessoa observar a delicadeza das respostas do Senhor no cotidiano da vida, ver nos acontecimentos simples Suas respostas extraordinárias.

Não podemos dizer que existe oração ineficaz, mas que as respostas de Deus podem ser aquelas que não esperamos receber. Um amigo, quando verdadeiro, saberá dizer-nos com sinceridade quando não concorda com nosso ponto de vista e colocará as suas opiniões. Muitas vezes, ouvir tais opiniões não nos faz bem, contudo, o amigo verdadeiro quer o nosso bem.

Deus também nos escuta com amor, mesmo que aos olhos humanos nossas súplicas pareçam desnecessárias. Mas ouvir não significa atender. Deus sabe o que é bom para nós, e não se deixa levar por caprichos humanos. Ele atende as preces segundo as necessidades reais de cada pessoa.

Na oração, encontramo-nos com o Amigo que nos ouve com amor e nos atende segundo Seu coração. Não tenhamos medo de nos aproximarmos de Deus, mas aprendamos a colher Suas respostas com delicadeza e sem revoltas. Deus quer o nosso bem, mesmo que, a princípio, não compreendamos o que Ele nos fala.

Padre Flávio Sobreiro

O Senhor nos ajuda a amar e a perdoar

De acordo com a cultura e o pensamento religioso do povo judeu, basta que amemos o nosso próximo; ao passo que aquele a quem temos como inimigo, porque de alguma forma nos prejudicou e nos fez mal, nós podemos odiá-lo. Contudo, Jesus nos diz que não deve ser assim, nós precisamos amar até os nossos inimigos.

Meu amor não pode ser um amor mínimo, mas sim, como é o amor do coração do Pai, um amor pleno, um amor sublime, um amor que não exclui ninguém. Um amor no qual sou capaz de dar a outra face a quem me feriu, a quem me machucou e a quem me fez mal.

É o amor que vence os ressentimentos e as mágoas. Se eu não consigo vencer a minha mágoa e meu ressentimento pelas minhas forças humanas, eu preciso vencê-los pela força da oração. E por isso o Senhor nos diz que devemos rezar por aqueles que nos perseguem. Uma oração sincera e verdadeira: “Senhor, eu não consigo. Senhor, eu tenho raiva dessa pessoa. Senhor, eu não consigo amá-la; por favor, me ajude!”

O mínimo que eu posso desejar a alguém é que Deus o abençoe, o guarde, o ilumine e conduza o seu coração. Essa é a oração que vem do fundo da minha alma, a oração que vem do meu coração, para que o Senhor realmente me ajude a amar a quem eu não consigo amar.

Isso não significa que é necessário você gostar de todo o mundo ou ter todos como amigos. Não, isso se trata de outra afeição, de outra intimidade, de outra forma de relacionamento. Contudo, para termos paz em nosso coração, para o nosso coração ser pleno e vigoroso, como é o coração de Deus, não podemos negar nem sonegar amor a ninguém.

Está certo que existem pessoas que são difíceis e deixam muitas marcas em nós, mas a maior força da minha vida é a força do Evangelho, é ele que me dá a graça, é ele que me ajuda a superar, é ele que me ajuda a combater o mal e dizer: “Jesus, conduza meus passos, conduza os meus sentimentos”.

Deus abençoe você!

Padre Roger Araújo

Sacerdote da Comunidade Canção Nova

2º Domingo do Tempo Comum

Abraão é exemplo de obediência a Deus; a vivência da fé está sempre ligada à sua pessoa. Pela fé, ele se torna fonte de bênçãos para todas as famílias da terra.

Mas, como aconteceria isso se Abraão não tinha filho? Finalmente, ele recebe um filho, Isaac, no qual sua descendência seria numerosa como as estrelas do céu e as areias do mar. Isaac é o fruto da promessa, o filho muito amado, a esperança do futuro.

Observando porém, que os povos vizinhos de Israel sacrificavam crianças aos seus deuses para manifestar o amor que tinham por eles, Abraão começa a se perguntar se também o Deus de Israel queria que ele sacrificasse o seu único filho. Mas, Deus não aceitou o sacrifício de Abraão e isto fez o povo entender que Deus não quer sacrifícios humanos, não quer a morte do homem, mas a vida (cf. Jo 10,10). Abraão passa, então, a considerar Isaac como sinal de Deus: nascido de Sara estéril e liberto da morte.

A narração (Gn 22, 1-2.9a.10.15-18) quer mostrar que a disponibilidade da fé de Abraão é agradável a Deus, que renovará as promessas a ele feitas. Abraão viveu a fé em situações adversas: acredita que podia ser pai, apesar de sua velhice e de Sara; acredita que a obediência a Deus está cima dos próprios laços de sangue (sacrifício de Isaac, o primogênito). Na realidade, o pano de fundo deste quadro bíblico bem antigo reforça ainda mais a fé de Abraão no Deus da Vida.

Abraão se encontrava em um dilema: seguir os costumes da religião cananeia, que ordenava sacrificar o primogênito para ter a benção dos deuses? Ou confiar no Deus da vida que mandava acreditar na promessa? O núcleo central do texto de Gênesis proclamado neste domingo é crer, mesmo em meio à escuridão. Abraão cala diante do mistério. Ele teve de enfrentar tudo sozinho, o silêncio é envolvido pelo mistério incomparável de Deus, superando pela fé e confiança os absurdos que a vida lhe apresentava.

Na segunda leitura (Rm 8, 31b-34), descobrimos que a fidelidade de Deus, anunciada na primeira leitura, é aqui plenamente proclamada: Deus está com todos os que têm fé e que por ela são justificados (cf 8,30).

O texto paulino segue na linha de pensamento da primeira leitura: Deus não poupou seu próprio Filho, para que, ele intercedesse por nós (cf 8,32). E em sua fidelidade ao Pai, Cristo dá a vida por nós, não quer condenar-nos. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (8,31b). Se Deus não é contra nós, não nos nega nada, não nos acusa, não nos condena. Esse argumento pode resumir-se em uma pergunta: “Quem nos separará do amor de Deus em Cristo Jesus? Deus jamais romperá a sua Aliança conosco, pois ele é um Deus fiel. Nele temos a certeza da vitória, a libertação plena.

O texto da transfiguração se encontra no meio da narrativa de Marcos. Os discípulos, finalmente reconheceram em Jesus o Messias, o Cristo (Cf. 8,29). Mas Jesus lhes explica que o “Filho do Homem”, como se chama a si mesmo (Cf. Dn 7,13-14), não devia ser imaginado como um Messias conquistador, à maneira do rei Davi, e sim, como o Servo Sofredor de Isaías 52, 13-53,12. O destino do Messias é a glória, mas o caminho é a cruz.

A cena da alta montanha (Marcos não diz de que monte se trata!) repete a do Batismo de Jesus no Jordão e prefigura sua morte e ressurreição: “Este é meu Filho amado” (cf. Mc 9,7; 1,11). Devemos relacionar também a cena da transfiguração com a que se encontra no fim do Evangelho de Marcos, quando o véu do Santuário foi rasgado em dois, de alto a baixo, o centurião romano, ao pé da cruz, exclama: “Realmente este homem era Filho de Deus” (cf. 15, 38-39).

A descrição de Marcos possui especial beleza. Ele diz que Jesus tem suas vestes mudadas, tornando-se brilhantes, extremamente brancas, de uma brancura tal que nenhuma lavadeira sobre a terra as poderia alvejar. As vestes de Jesus agora se parecem com as dos mártires (cf. Ap. 3,15-18; 7, 9-14). O martírio será o seu destino, mas a vitória será sempre da Vida.

Jesus está acompanhado de Moisés e Elias (Lei e Profetas), que confirmam com suas histórias o caminho de Jesus na direção do conflito final e da cruz. Esses dois personagens do Primeiro Testamento não estão presentes como enfeites ou convidados de honra ou testemunhas da glória de Jesus. Eles aí estão para explicar a Jesus qual é a sua missão como Filho. Essa missão consiste em sair deste mundo, em fazer uma Páscoa, em sofrer uma Paixão.

Pedro, porém, toma a cena como se fosse de triunfo, e com sua proposta – armar três tendas – espera desviar Jesus do trajeto já indicado. Na verdade, Pedro não sabia o que estava dizendo, porque tanto ele como seus companheiros, Tiago e João, estavam com muito medo (cf. Mc 9, 5-6), Não seria bom ficar no monte, porque ficar ali em vestes brancas e brilhantes, seria não ouvir a resposta de Moisés e Elias ao “este é meu Filho amado” pronunciado pelo Pai: Filho é aquele que tem o destino de sofrer em favor de seu povo.

Filho é aquele que obedece, aquele que é destinado a sofrer por seu povo, aquele que perdoa e se doa. Filho é aquele cuja glória é restaurar-nos à plena amizade com seu Pai, a todos nós, começando por Jerusalém e estendendo-se até os confins da terra.

Agora, sabemos o que é ser Filho de Deus. É obediência/reverência; é abraçar o destino de viver e morrer pelo povo; é amar os inimigos no momento de ser crucificado por eles, e encontrar sua única esperança no Pai invisível e silencioso; é ser o ministro vitorioso da reconciliação com Deus e com o próximo para toda a humanidade.

A passagem – Páscoa – de Jesus pela morte o levará à ressurreição: “por isso, Deus o exaltou e lhe deu um Nome que está acima de todo nome” (Fl 2,9).


Diocese de Limeira

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2015


Amados irmãos e irmãs,

Tempo de renovação para a Igreja, para as comunidades e para cada um dos fiéis, a Quaresma é sobretudo um «tempo favorável» de graça (cf. 2 Cor 6, 2). Deus nada nos pede, que antes não no-lo tenha dado: «Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19). Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, tem a peito cada um de nós, conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa procura, quando O deixamos. Interessa-Se por cada um de nós; o seu amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece. Coisa diversa se passa connosco! Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem! Hoje, esta atitude egoísta de indiferença atingiu uma dimensão mundial tal que podemos falar de uma globalização da indiferença. Trata-se de um mal-estar que temos obrigação, como cristãos, de enfrentar.

Quando o povo de Deus se converte ao seu amor, encontra resposta para as questões que a história continuamente nos coloca. E um dos desafios mais urgentes, sobre o qual me quero deter nesta Mensagem, é o da globalização da indiferença.

Dado que a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também para nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para nos despertar.

A Deus não Lhe é indiferente o mundo, mas ama-o até ao ponto de entregar o seu Filho pela salvação de todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem, entre o Céu e a terra. E a Igreja é como a mão que mantém aberta esta porta, por meio da proclamação da Palavra, da celebração dos Sacramentos, do testemunho da fé que se torna eficaz pelo amor (cf. Gl 5, 6). O mundo, porém, tende a fechar-se em si mesmo e a fechar a referida porta através da qual Deus entra no mundo e o mundo n’Ele. Sendo assim, a mão, que é a Igreja, não deve jamais surpreender-se, se se vir rejeitada, esmagada e ferida.

Por isso, o povo de Deus tem necessidade de renovação, para não cair na indiferença nem se fechar em si mesmo. Tendo em vista esta renovação, gostaria de vos propor três textos para a vossa meditação.

1. «Se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros» (1 Cor 12, 26): A Igreja.

Com o seu ensinamento e sobretudo com o seu testemunho, a Igreja oferece-nos o amor de Deus, que rompe esta reclusão mortal em nós mesmos que é a indiferença. Mas, só se pode testemunhar algo que antes experimentámos. O cristão é aquele que permite a Deus revesti-lo da sua bondade e misericórdia, revesti-lo de Cristo para se tornar, como Ele, servo de Deus e dos homens. Bem no-lo recorda a liturgia de Quinta-feira Santa com o rito do lava-pés. Pedro não queria que Jesus lhe lavasse os pés, mas depois compreendeu que Jesus não pretendia apenas exemplificar como devemos lavar os pés uns aos outros; este serviço, só o pode fazer quem, primeiro, se deixou lavar os pés por Cristo. Só essa pessoa «tem a haver com Ele» (cf. Jo 13, 8), podendo assim servir o homem.

A Quaresma é um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e, deste modo, tornarmo-nos como Ele. Verifica-se isto quando ouvimos a Palavra de Deus e recebemos os sacramentos, nomeadamente a Eucaristia. Nesta, tornamo-nos naquilo que recebemos: o corpo de Cristo. Neste corpo, não encontra lugar a tal indiferença que, com tanta frequência, parece apoderar-se dos nossos corações; porque, quem é de Cristo, pertence a um único corpo e, n’Ele, um não olha com indiferença o outro. «Assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria» (1 Cor 12, 26).

A Igreja é communio sanctorum, não só porque, nela, tomam parte os Santos mas também porque é comunhão de coisas santas: o amor de Deus, que nos foi revelado em Cristo, e todos os seus dons; e, entre estes, há que incluir também a resposta de quantos se deixam alcançar por tal amor. Nesta comunhão dos Santos e nesta participação nas coisas santas, aquilo que cada um possui, não o reserva só para si, mas tudo é para todos. E, dado que estamos interligados em Deus, podemos fazer algo mesmo pelos que estão longe, por aqueles que não poderíamos jamais, com as nossas simples forças, alcançar: rezamos com eles e por eles a Deus, para que todos nos abramos à sua obra de salvação.

2. «Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9): As paróquias e as comunidades

Tudo o que se disse a propósito da Igreja universal é necessário agora traduzi-lo na vida das paróquias e comunidades. Nestas realidades eclesiais, consegue-se porventura experimentar que fazemos parte de um único corpo? Um corpo que, simultaneamente, recebe e partilha aquilo que Deus nos quer dar? Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais frágeis, pobres e pequeninos? Ou refugiamo-nos num amor universal pronto a comprometer-se lá longe no mundo, mas que esquece o Lázaro sentado à sua porta fechada (cf. Lc 16, 19-31)?

Para receber e fazer frutificar plenamente aquilo que Deus nos dá, deve-se ultrapassar as fronteiras da Igreja visível em duas direcções.

Em primeiro lugar, unindo-nos à Igreja do Céu na oração. Quando a Igreja terrena reza, instaura-se reciprocamente uma comunhão de serviços e bens que chega até à presença de Deus. Juntamente com os Santos, que encontraram a sua plenitude em Deus, fazemos parte daquela comunhão onde a indiferença é vencida pelo amor. A Igreja do Céu não é triunfante, porque deixou para trás as tribulações do mundo e usufrui sozinha do gozo eterno; antes pelo contrário, pois aos Santos é concedido já contemplar e rejubilar com o facto de terem vencido definitivamente a indiferença, a dureza de coração e o ódio, graças à morte e ressurreição de Jesus. E, enquanto esta vitória do amor não impregnar todo o mundo, os Santos caminham connosco, que ainda somos peregrinos. Convicta de que a alegria no Céu pela vitória do amor crucificado não é plena enquanto houver, na terra, um só homem que sofra e gema, escrevia Santa Teresa de Lisieux, doutora da Igreja: «Muito espero não ficar inactiva no Céu; o meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas almas» (Carta 254, de 14 de Julho de 1897).

Também nós participamos dos méritos e da alegria dos Santos e eles tomam parte na nossa luta e no nosso desejo de paz e reconciliação. Para nós, a sua alegria pela vitória de Cristo ressuscitado é origem de força para superar tantas formas de indiferença e dureza de coração.

Em segundo lugar, cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos. A Igreja é, por sua natureza, missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a todos os homens.

Esta missão é o paciente testemunho d’Aquele que quer conduzir ao Pai toda a realidade e todo o homem. A missão é aquilo que o amor não pode calar. A Igreja segue Jesus Cristo pela estrada que a conduz a cada homem, até aos confins da terra (cf. Act 1, 8). Assim podemos ver, no nosso próximo, o irmão e a irmã pelos quais Cristo morreu e ressuscitou. Tudo aquilo que recebemos, recebemo-lo também para eles. E, vice-versa, tudo o que estes irmãos possuem é um dom para a Igreja e para a humanidade inteira.

Amados irmãos e irmãs, como desejo que os lugares onde a Igreja se manifesta, particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença!

3. «Fortalecei os vossos corações» (Tg 5, 8): Cada um dos fiéis

Também como indivíduos temos a tentação da indiferença. Estamos saturados de notícias e imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo tempo toda a nossa incapacidade de intervir. Que fazer para não nos deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência?

Em primeiro lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos a força da oração de muitos! A iniciativa 24 horas para o Senhor, que espero se celebre em toda a Igreja – mesmo a nível diocesano – nos dias 13 e 14 de Março, pretende dar expressão a esta necessidade da oração.

Em segundo lugar, podemos levar ajuda, com gestos de caridade, tanto a quem vive próximo de nós como a quem está longe, graças aos inúmeros organismos caritativos da Igreja. A Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo outro, através de um sinal – mesmo pequeno, mas concreto – da nossa participação na humanidade que temos em comum.

E, em terceiro lugar, o sofrimento do próximo constitui um apelo à conversão, porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos. Se humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas possibilidades infinitas que tem de reserva o amor de Deus. E poderemos resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e salvar o mundo sozinhos.

Para superar a indiferença e as nossas pretensões de omnipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta enc. Deus caritas est, 31). Ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro.

Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo: «Fac cor nostrum secundum cor tuum – Fazei o nosso coração semelhante ao vosso» (Súplica das Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus). Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença.

Com estes votos, asseguro a minha oração por cada crente e cada comunidade eclesial para que percorram, frutuosamente, o itinerário quaresmal, enquanto, por minha vez, vos peço que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!

Vaticano, Festa de São Francisco de Assis,

4 de Outubro de 2014.


FRANCISCUS PP.

Família, lugar da bênção de Deus

Esta é uma das mais fundamentais verdades da fé cristã: a família é o privilegiado lugar escolhido por Deus, para aí derramar a sua bênção.

Muito acima do sentido humano de proteção e convivência, ou seja, o papel sociológico, a família é um lugar teológico. É o lugar onde Deus se revela; é lugar onde se revela Deus. Nela, o ser humano aprende a crescer segundo o projeto de Deus. É lugar de humanização divina.

O ser humano aprende a ser humano dentro da família. Jesus crescia em estatura, em sabedoria e em graça diante de Deus e dos homens (cf. Lucas 2:25). Interessante esta anotação, pois para esse crescimento integral o próprio Jesus precisou de uma família humana. A bênção divina sobre a família não é somente uma questão espiritual, envolve também o físico e o psíquico. Ninguém é humanamente equilibrado sem alimentar essa tríplice dimensão da existência humana.

O ser humano aprende a ser humano dentro da família. Graça significa o alimento do espírito. O ser humano é físico, psíquico e espiritual. Contudo, lamentavelmente, muitas famílias se preocupam bastante apenas com a dimensão física – uma ótima casa, conforto, estudo, roupas –, mas se esquecem das outras duas dimensões. Infelizmente, a família não está sendo o lugar dessa bênção de Deus para a afetividade das pessoas.

Família deve ser o lugar onde a gente aprende a amar. Se a família é a mais perfeita semelhança de Deus, – que é amor e cria ser humano por amor e para o amor, e o cria família – ela tem de ser o lugar onde aprendemos a exercer o amor.

Para ser lugar da bênção de Deus, muitas vezes, não se precisa de muita coisa. Pequenos detalhes fazem um grande amor. Um grande amor não é feito de grandes coisas, não. Grandes coisas qualquer pessoa faz, tanto para o bem, quanto para o mal, se ela estiver no desespero. Agora, fazer a cada dia pequenas coisas de modo extraordinariamente maravilhoso, só quem tem o Espírito Santo de Deus; do contrário, não consegue. E aí está a santidade. Esse é o segredo.

Ser uma família cristã no meio do mundo é muito mais do que se dizer católico ou freqüentar determinadas práticas religiosas. Ser cristão é adequar nossa vida ao projeto de Deus, ensinado e vivido por Jesus Cristo. Ser cristão é imitar Jesus, especialmente em sua constante luta por permitir que Deus reinasse neste mundo. Uma família cristã é o espaço privilegiado para se gestar e praticar esse projeto. O casal cristão procura, a dois, realizar esse projeto de vida, e depois com todos os seus familiares e nos seus relacionamentos. É uma união de carismas e de dons para se alcançar uma meta comum.

Sendo uma realidade dinâmica, o matrimônio está aberto à construção e também às feridas que machucam e atrapalham o crescimento da vida familiar. Algumas situações acabam sendo grandes possibilidades de ruptura, mas também podem se transformar em momentos de graça e de vida plena.

É preciso aprender a construir a restauração da família.


Extraído do livro Famílias restauradas de padre Léo.

1º Domingo da Quaresma

A nova Aliança de Deus com a humanidade, realizada na morte e ressurreição de Cristo, fora prefigurada na Aliança de Deus com Noé, salvos das águas do dilúvio (1ª. Leitura: Gn 9, 8-15). Para os povos antigos, a água, especialmente a água dos grandes mares e rios, este símbolo de caos, de perigo e morte. Ser libertado da água significativa ser salvo.

O dilúvio de que fala a narração de Noé simboliza o caos do pecado. Noé e sua família foram salvos e Deus fez uma Aliança com ele, e não só com ele, mas com toda a criação, com todos os seres vivos. É uma aliança universal e eterna. Deus não romperá seu pacto. O arco-íris é o símbolo da Aliança de Deus com a humanidade. É o símbolo do compromisso divino com a vida. E para nós, quais são hoje, os sinais de que Deus é nosso parceiro na luta e pela defesa da vida.

Neste texto do Livro de Gênesis, proclamado no primeiro domingo da Quaresma, temos uma imagem do batismo: salvos pela água, Deus faz aliança conosco.

Na segunda leitura (1Pd 3, 18-22) Pedro também se refere as águas do dilúvio, ligando-as as águas do nosso Batismo. É de grande importância esta espécie de profissão batismal, que descobrimos no texto: “Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo pelos injustos” (v.18a); “No Espírito, ele foi também pregar aos espíritos na prisão” (= ”mansão dos mortos”) (v.19). “Subiu aos céus está à direita de Deus” (v.22a).

No tempo em que esta carta de Pedro foi escrita, os cristãos eram minoria, mas são justamente eles que provocam na humanidade inteira o confronto o Evangelho de Jesus. A identidade e a missão dos cristãos surgem daí e darão origem a novas criaturas e a nova humanidade. Pedro explica que esta novidade se realiza pela purificação batismal (simbolismo do dilúvio) que nos torna aptos a viver segundo uma boa consciência, nos confere uma identidade nova, torna-nos pessoas novas.

No Evangelho (Mc 1, 12-15), escutamos as primeiras palavras que Marcos colhe da boca de Jesus: “ o tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (v.15). Isso, depois que Jesus, levado pelo Espírito para o deserto, lá permaneceu quarenta dias, foi tentado por Satanás e enfrentou os animais selvagens (cf. VV 12-13).

É o início do Evangelho, da boa notícia proclamada por Jesus: “convertei-vos”! Conversão é mudança de atitude que se manifesta na prática. Deus quer estar junto de seu povo = o Reino de Deus chegou – e por causa desta iniciativa de Deus, que se volta para nós, devemos voltar para ele.

Marcos liga imediatamente ao Batismo de Jesus, que é o início de sua missão, o episodio da tentação (cf. VV 12-13), o que indica que ele vê, como ponto fundamental da missão do Filho de Deus, a luta contra Satanás. Vencendo o demônio, Jesus anuncia a salvação, dá início ao Reino de Deus (cf. vv14-15). Este anúncio exige de nós uma mudança  de mentalidade, uma “virada”, um afastamento do caminho habitual e uma volta para outra direção. Esta mudança, esta conversão procede da fé: crer no Evangelho (cf. v 15b).

É sempre ilusório crer-nos convertidos de uma vez por todas. Não somos nunca simples pecadores, mas pecadores perdoados, pecadores-em-perdão, pecadores-em-conversão. Converta-se significa recomeçar sempre de novo esta mudança interior, por meio da qual a nossa pobreza humana se volta para a graça de Deus. Antão, patriarca e pai de todos dos monges, dizia de modo lapidar: “cada manhã me digo: hoje, começo”. E Abba Poemen, o mais famoso dos padres do deserto depois de Antão, quando, à beira da morte, era elogiado por sua vida virtuosa, que o colocava na condição de apresentar-se diante de Deus com extrema tranqüilidade, respondeu: “Devo ainda começar, estava apenas começando a converter-me”, e chorou.

Hoje, o tempo nos é concedido para conhecermos melhor a Deus: é sempre um tempo de conversão e de graça, dom de sua misericórdia.


Diocese de Limeira

O que viver nesta Quaresma?

Abre-se a porta da misericórdia! O Pai das Misericórdias enviou Seu Filho amado ao mundo e derramou sobre a humanidade a unção do Espírito Santo, para a festa do perdão, arte das artes, que tem na Trindade Santa sua fonte e realização, em benefício da humanidade. Abre-se a porta da Quaresma. Proclamamos, nesta semana, a necessidade da Penitência, com a Quarta-feira de Cinzas, pois, pelo doloroso mistério do pecado, pesa um sinal de condenação sobre a humanidade. Graças ao amor misericordioso de Deus não há pecado, por maior que seja, que não possa ser perdoado, nem pecador que seja posto de lado. Todas as pessoas que se arrependerem serão recebidas por Jesus Cristo com perdão e imenso amor. Diante de tamanha bondade, cabe-nos responder com a sinceridade da vivência quaresmal. O pregão bíblico da penitência, com o gesto da imposição das cinzas, vivido pela Igreja, quer ser o convite a que todos estejam dispostos a morrer para o homem velho.

A Igreja aprendeu e ensinou, no correr dos séculos, a importância do tempo, como oportunidade da graça de Deus, por meio do que chamamos Ano Litúrgico, com o qual percorremos o ciclo dos mistérios de Cristo, colhendo todos os presentes que são oferecidos. O tempo da Quaresma é o convite a voltarmos os olhos para a Páscoa, dedicando as próximas semanas à revisão de vida, prática da penitência, do sacramento da reconciliação, da leitura orante da Palavra de Deus, da participação na Eucaristia e no exercício da caridade.

A cada ano, a Igreja oferece temas e propostas de vida nova a todos os cristãos. O Papa Francisco desejou, neste ano de 2015, convidar-nos a refletir e mudar de atitude, na superação de um dos desafios mais urgentes, a globalização da indiferença.

Diz o Papa: “Dado que a indiferença para com o próximo e para com Deus é uma tentação real também para nós, cristãos, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para nos despertar”. Depois de indicar passos a serem dados pela Igreja, pelas paróquias, comunidades e por todos os cristãos, considerados pessoalmente, assim convidou: “Para superar a indiferença e as nossas pretensões de onipotência, gostaria de pedir a todos para viverem este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração, a que nos convidava Bento XVI (Carta encíclica Deus caritas est, 31).

Ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador, mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro. Por isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma, desejo rezar convosco a Cristo: ‘Fazei o nosso coração semelhante ao vosso’ (Súplica das Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus). Teremos assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da indiferença”.

Também no Brasil acontece um intenso esforço de mudança de vida, com a Campanha da Fraternidade, realizada anualmente na Quaresma, desde 1964, com a qual deseja oferecer nossa contribuição à sociedade, para a construção de um mundo melhor. Em 2015, nossa Campanha é sobre “Fraternidade: Igreja e Sociedade”, com o lema “Eu vim para servir” (Cf. Mc 10, 45). O bonito cartaz da Campanha retrata o Papa Francisco lavando os pés de um fiel na Quinta-feira Santa de 2014. A Igreja atualiza o gesto de Jesus Cristo ao lavar os pés de seus discípulos. O lava-pés é expressão de amor capaz de levar a pessoa a entregar sua vida pelo outro.

A Igreja católica participa das alegrias e tristezas do povo brasileiro, e quer dar a sua contribuição, para que nosso povo seja mais disponível ao serviço das pessoas umas às outras. Queremos manter uma atitude de serviço, diálogo e cooperação. Queremos atuar em favor de tudo o que eleva a dignidade humana. Nossa colaboração quer ser ainda uma resposta ao convite do Papa para maior atenção aos pobres e sofredores, indo às periferias geográficas e existenciais, uma Igreja em saída, como diz o Papa Francisco.

Alguns temas serão tratados com intensidade e vão se transformar em prática dos cristãos, como fruto da Campanha da Fraternidade: a proteção dos direitos fundamentais das pessoas, o bem comum, a justiça social e o serviço da Igreja à sociedade. Desejamos procurar continuamente o que Deus quer de nós, discernindo nossas ações a partir do que existe em nossas comunidades, atuando por meio das pastorais sociais, dialogar com todas as forças da sociedade em vista do bem comum, introduzir cada vez mais o tema da paz e da superação da violência em nossas orações e nosso comportamento, acompanhar pessoas e famílias em situação de conflito, participar de forma consciente e construtiva no caminho do país para a reforma política.

Os cristãos não desejam privilégios, mas têm o direito de participar da vida da sociedade. Sabemos que existem posições contrárias à religião, numa sociedade que pretende cancelar as referências à transcendência e o reforço do individualismo. Há assuntos graves que pedem a participação de todas as forças da sociedade, como a educação, a saúde e a paz social. A Igreja tem uma palavra a dizer sobre esses temas e propõe modos de vida que não excluam pessoas e grupos da sociedade. Acolhendo o convite do Papa Francisco, em sua mensagem quaresmal, os católicos não se deixarão tomar pela globalização da indiferença. Saberão chorar com os que choram e rir com aqueles que riem (Cf. Texto-base da Campanha da Fraternidade 2015).

Começa uma “Campanha”, esforço intenso, durante a Quaresma, unindo forças humanas e corações iluminados pela fé. Uma Campanha “da Fraternidade”, sonhando alto e fazendo a nossa parte para que homens e mulheres de nosso tempo sejam mais fraternos. É uma Campanha da Igreja, que pretende ser “Campanha de Opinião Publica”, contribuindo para a elevação do nível de vida do povo brasileiro. O caminho está em Cristo, que veio “para servir”.

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.

Quarta-feira de Cinzas

A Quaresma começa, hoje, fazendo ecoar novamente em nossos ouvidos as inquietantes palavras do profeta Joel: “rasgai o coração, e não as vestes” (2,13a). Após descrever a invasão dos gafanhotos, presságio de que está próximo o dia do Senhor (2,1), o profeta mostra que, para o juízo de Deus, não basta preparar-se com um rito penitencial meramente exterior (“rasgar as vestes”), que não seja acompanhado do gesto interior de mudança de vida (“rasgar o coração”).É preciso que o ser humano, em sua inteireza, se volte para Deus. Assim, criaremos em nós o espaço para que a graça de Deus nos refaça e nos preencha. Nosso Deus é misericórdia, e torna sempre de novo, a iniciativa de nos perdoar.

Paulo nos convoca, em nome de Cristo, a nos deixar reconciliar com Deus, a não deixar passar em vão a sua graça (Cf. 2 Cor 5,20;6,1). E o Senhor nos diz: “no momento favorável eu te escutei, n dia da salvação eu te ajudei” (Is 49,8). “É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (Cf. 3 Cor 6,2). O movimento da reconciliação começa com a iniciativa divina. Cabe a nós deixar-nos reconciliar com ele.

O Evangelho repete três vezes: “o Pai vê o que está oculto”. Ele sabe o que se passa dentro de nós, conhece nossas verdadeiras intenções e os valores para os quais orientamos nossa vida. A oração, a esmola e o jejum, as “obras de piedade” do judaísmo antigo, são gestos que marcam a nossa experiência com Deus, mas podem ser pura exterioridade, não terem ligação alguma com o nosso coração. O Pai é quem sabe com que intenção eu rezo, faço caridade e jejuo.


Diocese de Limeira

6º Domingo do Tempo Comum

O Levítico, no capítulo 13, trata das doenças de pele a serem diagnosticadas pelos sacerdotes. Entre essas doenças aparecia a lepra. Não existe nesse livro preocupação alguma com a cura. Simplesmente, traçam-se normas higiênicas. A única preocupação era com a pureza da comunidade.

Na verdade, a lepra, constituía a mais grave forma de impureza ritual. Os sacerdotes eram os responsáveis pelo diagnóstico da lepra. Isso leva a crer que a lepra estava intimamente ligada com a impureza ritual. O aspecto religioso era mais importante do que o aspecto médico-sanitário.

O leproso era uma espécie de excomungado e banido da sociedade. Logo, essa pessoa não tinha acesso a Deus. Quem fechava ou abria a porta do acesso a Deus eram os sacerdotes, mediante o diagnóstico puro/impuro.

O complicado e misterioso sacrifício previsto para as pessoas que eventualmente sarassem da lepra demonstra que ela era vista como sinal do pecado contra Deus. É a partir disso que o leproso se torna símbolo da maior marginalização possível: castigado por Deus por causa do pecado.

O modo como o leproso deve se comportar demonstra que ela se tornou uma perigosa fonte de contaminação: roupas rasgadas, cabelos soltos, “verdadeiro espantalho vivo”! E ainda devia viver gritando a todos sua marginalidade e periculosidade.

Na carta aos Coríntios, Paulo dá uma orientação: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer coisa outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (10,31). Deixa claro que Deus precisa se manifestar e se tornar presente em todos os gestos e ações da comunidade. Portanto, a ação de cada pessoa deverá ser uma ação responsável.

Os cristãos de Corinto não podem ser motivo de escândalo para os judeus, para os pagãos e muito menos para a Igreja de Deus. E aconselha: “Como também eu me esforço por agradar em tudo a todos, buscando não o que é vantajoso para mim, mas o que é vantajoso para o maior número de pessoas, a fim de que sejam salvas” (11,33). E o interesse de todos significa o encontro de toda a humanidade com Deus, em Jesus Cristo. Essa é a glória de Deus. É isso que Paulo busca sem descanso. É para isso que a comunidade é chamada: “Sejam meus imitadores, como eu também o sou de Cristo”.

No Evangelho, Marcos vai mostrando sempre mais quem é Jesus. O leproso conhecia muito bem o código de pureza. Sabia também que nem o Templo nem os sacerdotes poderiam libertá-lo da lepra. Eles apenas constatavam a doença e nada mais.

Diante disso o leproso toma uma decisão radical: não vai ao sacerdote e sim a Jesus. Ajoelha-se e pede: “Se queres, tens o poder de purificar-me” (1,40). Reconhece que o poder de cura não vem da religião dos sacerdotes, mas sim de Jesus. O leproso aproxima-se e manifesta sua adesão a Jesus enquanto fonte de libertação.

Jesus quer curar e sente compaixão, indigna-se com a lei e todas as prescrições de pureza. Transgride o sistema religioso e também se torna impuro, por isso, não pode entrar nas cidades. Está impuro por causa do contato com o leproso. De fato, se acreditava que a lepra fosse contagiosa. Jesus quebra o código de pureza, tocando o leproso.

Com isso, além de se tornar impuro, precisa oferecer um sacrifício de purificação. Com isso, o Filho de Deus foi morar com os marginalizados. Assim, Marcos mostra quem é Jesus: é aquele que rompe os esquemas fechados de uma religião segregadora, indo habitar entre os banidos do convívio social.

Jesus dá uma ordem ao curado: “Não contes nada a ninguém! Mas vai mostrar-se ao sacerdote e apresenta, por tua purificação, a oferenda prescrita por Moisés. Isso lhes servirá de testemunho” (1,44), significava, ao que parece, em não relatar a cura, mas colaborar para que o código de pureza fosse abolido.

Ele deve mostrar-se ao sacerdote para que este constate sua cura. Sinal de que a cura não depende do código de pureza nem da religião do Templo.

A expressão “isso lhes servirá de testemunho” significa: o sacrifício serve como testemunho contra o sistema que o declarava um punido por Deus e banido do convívio social. O sacrifício tem, pois, caráter de denúncia e abolição do código de pureza.

Marcos atesta que de toda a parte o povo vai procurá-lo, sinal de que está aberto um novo acesso a Deus. Deus, em seu Filho, pode ser encontrado fora, na clandestinidade, entre os que o sistema religioso e social discriminou.


Diocese de Limeira

5º Domingo do Tempo Comum


No livro de Jó percebemos como Deus se preocupa com nossos sofrimentos. Jó é uma pessoa sofrida por vários motivos: a desgraça se abateu sobre a vida familiar, a falta de solidariedade da esposa e dos amigos; a impressão de que Deus está calado e ausente de tudo. E se aparece algum sinal da presença de Deus na dor, é para amedrontar e aterrorizar com pesadelos. Dia e noite o sofrimento não tem fim. E Deus onde está?

Jó se pergunta: que sentido tem a vida dos sofredores? Para ele, a vida é um “trabalho pesado”, uma espécie de serviço forçado no qual outros desfrutam seus resultados. É como trabalho de um mercenário que põe em risco a própria vida para salvar apele dos outros. Como por fim ao sofrimento? Se não há esperança de felicidade, melhor e desejar a morte.

Diante do sofrimento, ou descobrimos o rosto do Deus verdadeiro, ou fazemos dele um monstro que nos devora. E a melhor maneira de descobri-lo é solidarizar-nos com os sofredores que vivem no meio de nós e ao nosso redor.

A carta relata que na comunidade de Corinto havia “fortes” e “fracos” na fé; Os “fortes” afirmavam que podiam comer as carnes sacrificadas aos ídolos sem incorrer na idolatria. Paulo concorda com eles, mas a sua preocupação é com os “fracos” que, diante disso, poderiam perder a fé. Os “fortes” não perdem sua liberdade se, em vista dos “fracos”, se abstêm de fazer o que prezam.

É muito bonita a trajetória de Paulo evangelizador. Sua vida se inspira em Jesus, que assumiu plenamente a realidade humana. “Com os fracos me fiz fraco, para ganhar os fracos. Para todos eu me fiz, para certamente salvar alguns. Por causa do Evangelho eu faço tudo, para dele me tornar participante” (1Cor 9,22.23).

No Evangelho de hoje, Jesus se desloca da sinagoga à casa de Simão e André. A casa se opõe à sinagoga. Jesus sempre vai sentir-se muito bem em casa, ao passo que, a sinagoga irá suscitar conflitos, culminando na decretação da morte de Jesus por parte dos fariseus e alguns do partido de Herodes.

A sogra de Pedro está de cama e com febre. No tempo, acreditava-se que a febre tinha origem demoníaca. Marcos mostra Jesus pegando a mão da mulher, ajudando-a a se levantar. Com essa cena, o evangelho nos mostra quem é Jesus: é aquele que ajuda as pessoas a caminhar com as próprias pernas e ser sujeitos do próprio agir. “A febre a deixou, e ela se pôs a servi-los” (1,31). Jesus liberta, e as pessoas, como resposta, se põem a serviço do libertador.

O modo como Jesus age é simples, mas ao mesmo tempo profundo: ele liberta tocando, pegando pela mão, ajudando a pessoa a se libertar.

Jesus ajudou a sogra de Pedro a se levantar. Lendo com atenção o Evangelho, percebemos o sentido do Batismo e sua função na sociedade: é um levantar-se para pôr-se a serviço do projeto de Deus.

Toda a cidade está reunida em frente da casa de Simão. Aí estão todos os doentes e todos os possuídos pelo demônio.

Ao dizer que “Ele curou muitos que sofriam de diversas enfermidades; expulsou também muitos demônios” (Mc 1,34), Marcos está retomando um tema que apareceu no Batismo de Jesus, o do servo sofredor que carrega as enfermidades da humanidade. Aparece também silêncio imposto aos demônios. A descoberta de quem é Jesus é resultado de longo aprendizado na fé e na adesão à boa notícia por Ele trazida, e isso só se concretiza depois que o discípulo acompanhou o Mestre até a cruz.


Diocese de Limeira

Animemos uns aos outros na luta contra o pecado

Amados irmãos e irmãs em Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que leitura maravilhosa nós hoje fazemos da Carta aos Hebreus! A primeira coisa necessária é termos a certeza e a convicção de ainda não termos lutado contra o pecado com todas as forças da nossa alma e com todo o nosso ser.

Nós ainda não resistimos “até o sangue” na luta contra o pecado, pois, muitas vezes, é preciso colocar nosso sangue para fora. Primeiramente para sermos duros com a carne, com as aptidões e com as tendências do pecado que há dentro de nós. Essa é uma luta feroz, é uma luta para combatentes, é uma luta para aqueles que são humildes e se colocam debaixo da confiança e da proteção do Senhor!

Quando invocamos o nome do Senhor, a proteção e o auxílio d’Ele vêm em nosso socorro. É por isso que nós não podemos desanimar e precisamos encorajar uns aos outros nessa luta e nesse combate contra o pecado! A melhor maneira de vencermos o pecado em nós é deixar que o Senhor realize isso em nós e nos abrirmos para essa graça de Deus.

E como é que o Senhor vem a nós? Primeiramente Ele nos corrige. Ninguém gosta de ser corrigido, mas os pais têm obrigação de corrigir seus filhos. Isso não precisa ser feito de forma áspera, agressiva, mas a correção precisa acontecer, porque os filhos estão formando sua personalidade e sua conduta e, por vezes, são influenciados por pessoas que não os levam para o caminho do bem e lhes ensinam a fazer coisas erradas no mundo.

Por isso a casa é o lugar da correção! Deus castiga aquele a quem Ele tem como filho, mas não entenda castigo como uma forma pobre, fria, como se o Senhor fosse um castigador. O castigo de Deus é a correção d’Ele, é a privação que, muitas vezes, precisamos e devemos passar de muitas coisas que nos tiram dos caminhos d’Ele; que não nos ajudam a viver a santidade de vida, tão necessária, para que a nossa vida corresponda à graça d’Ele.

Meus irmãos, não tenhamos receio, não tenhamos medo, mas sim confiança no Senhor, que só quer o nosso bem, que nos corrige, que nos puxa a orelha, que nos chama a atenção, que nos mostra que a obstinação, o orgulho e a autossuficiência cegam a nossa vontade e nossas decisões de vida. E assim não somos capazes de enxergar, muitas vezes, a vontade do Senhor ou não temos forças suficientes para lutar contra o pecado.

Que a graça de Deus venha em nosso auxílio, que a graça d’Ele nos forme, nos modele, nos faça e nos refaça de novo, para que possamos em tudo viver e fazer a vontade de Deus!

Deus abençoe você!

Padre Roger Araújo
Sacerdote da Comunidade Canção Nova

Fortaleça a sua fé em Deus

Hoje duas filhas de Deus são apresentadas a Jesus, pedindo d’Ele a intervenção em favor de suas vidas. A primeira delas é ainda uma menina, filha do chefe da sinagoga, Jairo. E é o próprio pai quem vai pedir a Jesus por sua filha. Ela está prostrada, praticamente dada como morta, vive os seus últimos momentos, mas Jairo crê que, se Jesus apenas colocar as mãos sobre a filha, ela ficará sarada e voltará a viver.

Por outro lado, a segunda é uma mulher que, por doze anos, sofria com uma hemorragia. E como essa hemorragia crônica a fazia sofrer! Ela já gastara todo o seu dinheiro e tudo o que possuira para procurar os melhores médicos, mas nada resolvera seu problema. Dentro do coração dela havia fé, a certeza e a convicção de que bastava tocar em Jesus para que a sua realidade mudasse. E é nisso que ela confia plenamente e por isso ela vai ao encontro do Senhor.

Sabem, meus irmãos, essa mulher não podia nem se aproximar de Jesus e das pessoas, primeiremente porque, uma vez que ela sofria desse mal era tida como impura, e alguém no seu estado de impureza não podia se aproximar das pessoas. Por isso ela precisava ficar afastada, distante dos outros, mas ela foi corajosa, foi audaciosa ao ir encontro ao Senhor e dizer a Ele: “Basta eu tocar na orla do Seu manto e eu serei curada!”.

Nessa fé e nessa convicção ela vai ao encontro de Jesus, passa no meio daquela multidão e toca n’Ele. No mesmo instante Jesus sentiu uma força sair d’Ele e ir ao encontro de alguém e Ele mesmo exclama: “Alguém no meio desse povo me tocou!”. E quantas pessoas tocavam em Jesus, quantas pessoas se aproximavam d’Ele, contudo, essa mulher tinha uma fé sublime, suprema naquilo que Ele podia fazer por ela. Por isso a graça foi alcançada, por isso ela ficou curada! É Jesus mesmo quem diz: “Filha, a tua fé te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença” (Marcos 5, 34).

Do mesmo jeito o chefe da sinagoga exclama: “Jesus, a minha filha morreu!”. Jesus, sabendo disso, responde a Jairo: “Não tenhas medo. Basta ter fé!” (Marcos 5, 35).

A fé, como diz a Palavra de Deus na Carta aos Hebreus, é a posse daquilo que ainda não possuímos, é ter a convicção daquilo que ainda não temos. Só a fé e a confiança em Deus nos dão a vitória naquilo que fazemos ou queremos! A nossa fé opera e faz milagres acontecerem. A fé tranquila, consciente, responsável, fé que sabe invocar Deus e n’Ele colocar a sua confiança!

É essa a fé que move o coração desses dois filhos de Deus. Seja a fé de Jairo, que alcança a graça para sua filha; seja a fé dessa mulher, que havia doze anos que sofrera com uma hemorragia crônica. Jesus não só concede a ela a cura, como também a recuperação da sua dignidade, do seu lugar na sociedade, porque ela acreditou. Jairo, como um chefe da sinagoga – e quantos chefes da sinagoga, quantos doutores da lei já se opuseram a Jesus – sabe quem é Jesus, ele crê que só o Senhor pode fazer isso por sua filha. É a tamanha a fé que o faz alcançar tamanha graça!

Que nós, meus irmãos, sejamos revigorados em nossa fé e em nossa confiança no Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo! Que não percamos o olhar d’Ele nem a confiança no Seu poder salvador e restaurador!

Deus abençoe você!

Padre Roger Araújo
Sacerdote da Comunidade Canção Nova